Fomos
aprendendo (muito em especial com os psicanalistas das relações de objeto) que
o que somos deriva, em boa medida, da forma – ora mais serena, ora mais
turbulenta – como dialoga a complexa rede de pessoas diferentes que
guardamos dentro de nós.
Umas
fazem de figurantes com mais ou menos pinta; outras de estrela polar ou de
farol; umas fazem de pirilampo, outras de papão; umas fazem de assombração ou
alma penada. Umas fazem-nos sentir, na melhor das hipóteses, entre o purgatório
e o inferno. Outras mostram-nos o caminho para o céu. Outras, (melhor ainda!)
fazem-no acontecer.
Acho
que algures dentro de nós há um sítio, uma espécie de praça enorme e
cosmopolita, onde convive toda esta gente. Umas nas filas da frente, outras no
meio da multidão, outras ainda com o rosto desfocado já. Mas estão lá todas.
Moram
lá as pessoas que, quais pirilampos, tão depressa nos tratam com uma gentileza
desconcertante, como a seguir conseguem ser de uma frieza gélida. Moram lá as
pessoas ao pé das quais, invariavelmente, nos fomos sentindo pequeninos,
presos, medrosos… bem longe do melhor de nós, portanto. Moram lá as pessoas que,
em tempos, nos fizeram brilhar os olhos ao indicarem-nos, à distância, o
caminho para o céu, mas que se perderam pelo caminho. Moram lá as pessoas que
foram tão visceralmente transparentes connosco, mesmo em circunstâncias muito
difíceis (ligando, com uma humanidade à prova de bala, aquilo a que Bion chama os
vínculos do amor e do conhecimento), que – mesmo tendo bifurcado caminhos - nos
acompanham (por dentro) vida fora, qual estrela guia, para nos lembrarem que o
céu existe mesmo. Moram lá as pessoas cujo brilho nos olhos não ia muito além
do reflexo do brilho do nosso encantamento por elas (muito ao jeito do retrato
de Dorian Gray, mas ao contrário). Moram lá as pessoas que, tendo sido muito
importantes para nós, acabaram, por um ou outro motivo, por nos decepcionar profundamente. Às vezes, insistem, ainda assim, em pairar sobre (quase) tudo, qual fantasma mais ou menos omnipresente. Outras, felizmente, vão direitinhas das primeiras filas para uma espécie de despensa, de onde
reaparecem de vez em quando, ora para nos lembrarem (qual sinal de STOP) tudo o
que não queremos para nós, ora para nos recordarem (qual sinal de avançar a
todo o vapor) todos os aspetos que admirávamos em si.
Moram lá as pessoas que, de descuido em descuido, são despromovidas devagarinho até se tornarem numa espécie de figurantes com rosto desfocado. Moram lá as pessoas que, de gesto de bondade em gesto de bondade, sobem a pulso das distritais até à Champions das nossas vidas. Moram lá as pessoas que, com o seu amor e admiração, nos fazem sentir o "special one", ao mesmo tempo que, de cada vez que abusamos na vaidade, nos põem no lugar e nos lembram que somos só um em milhões com o coração no sítio e os neurónios a funcionar. Moram lá as pessoas que foram tendo inúmeros atos generosos para connosco, dos quais não soubemos, à época, estar à altura e, por isso, só sossegámos dentro de nós, quando fomos capazes de um pedido de desculpas sentido, honesto, transparente. Moram lá as pessoas que, já estando na linha da frente, ainda têm a capacidade de nos surpreender com a sua transparência e bondade, saltando das 1ª filas para o centro do palco, com todos os holofotes sobre si. Moram lá as pessoas que, lendo-nos até às entranhas, nos puxam para si com tal amor que fazem brilhar o nosso olhar no delas, mostrando-nos que o céu, muito mais do que uma questão de fé, somos nós, juntos.
Moram lá as pessoas que, de descuido em descuido, são despromovidas devagarinho até se tornarem numa espécie de figurantes com rosto desfocado. Moram lá as pessoas que, de gesto de bondade em gesto de bondade, sobem a pulso das distritais até à Champions das nossas vidas. Moram lá as pessoas que, com o seu amor e admiração, nos fazem sentir o "special one", ao mesmo tempo que, de cada vez que abusamos na vaidade, nos põem no lugar e nos lembram que somos só um em milhões com o coração no sítio e os neurónios a funcionar. Moram lá as pessoas que foram tendo inúmeros atos generosos para connosco, dos quais não soubemos, à época, estar à altura e, por isso, só sossegámos dentro de nós, quando fomos capazes de um pedido de desculpas sentido, honesto, transparente. Moram lá as pessoas que, já estando na linha da frente, ainda têm a capacidade de nos surpreender com a sua transparência e bondade, saltando das 1ª filas para o centro do palco, com todos os holofotes sobre si. Moram lá as pessoas que, lendo-nos até às entranhas, nos puxam para si com tal amor que fazem brilhar o nosso olhar no delas, mostrando-nos que o céu, muito mais do que uma questão de fé, somos nós, juntos.
Acho
que somos decisivamente influenciados por esta espécie de globalização que
acontece, a cada momento, dentro de nós. Talvez seja a forma como permitimos
que este diálogo cosmopolita se torne cada vez mais fluído, inclusivo e
transparente - pondo todas as personagens (tão diferentes entre si) do nosso
mundo interior (e exterior) à discussão – que faz realmente a diferença nas
nossas vidas. Talvez seja isso que nos faz correr para quem nos ajuda a
encontrar e a construir o caminho para o céu, e nos afasta de quem, na melhor
das hipóteses, nos deixa às portas do purgatório. Talvez seja isso que nos
afasta da saudade depressiva do: “o melhor da vida já lá vai” e nos empurra
para a ânsia de viver aqui e agora, com saudades do futuro. Afinal, o melhor da
vida está mesmo ali, ao fundo da avenida. Mais coisa, menos coisa.