Depois de um ano de ansiedade miudinha, exames e estudo empenhado, o
João entrou, finalmente, no curso que sonhara. Desde que, há
uns anos, foi ver o cortejo académico do primo que sonhava com a vida de
universitário, com as festas e as noitadas, com a autonomia e o mar de pessoas
e oportunidades que a Faculdade lhe ia trazer. Nos últimos dias antes da
partida para a cidade que escolhera, sentia-se mais apreensivo. Comoviam-no os conselhos
e gestos protetores dos pais, mas não lhe saía muito mais do que um: “que
melgas, eu já sou crescido!”, como que não querendo dar parte de fraco. O mesmo
aconteceu (com uma intensidade ampliada pela proximidade do futuro) no dia em
que, finalmente, os pais o levaram ao quarto que tinha alugado a dois passos da
Universidade e do centro da cidade. Ao almoço, manteve, por fora, a postura de “homem
crescido sem medos”. Com mais custo, mas aguentou-se, depois, enquanto a mãe
lhe fazia 1001 recomendações acerca da roupa, da comida e das saídas à noite, e
o pai lhe falava, entre o entusiasmado e o assustado, da necessidade de conciliar
responsabilidade com boémia. Talvez o João quisesse dizer: “eu sei, eu sei que há
muito que sonhava com isto. Eu sei, eu sei, que isto vai ser bom para mim, mas
estou com tanto medo! Tenho tanto medo das praxes, de me acharem ridículo na
Faculdade, de não estar à altura das matérias, de não ser tão fácil fazer
amigos como sempre imaginei que era, etc, etc”. Talvez o João quisesse sossegar-se com um: “Vai
correr bem, não vai?”, ao mesmo tempo que corria para os braços dos pais e lhes perguntava: “vão cá estar sempre para me segurar quando não correr bem, não vão?
Mesmo quando eu, inflamado e um bocadinho arrogante, disser que sou um homem crescido,
e que não tenho medo de nada?”… Mas só lhe saiu um: “Mãe!!! Eu já tenho 18
anos! Dah, isto foi o que eu sempre quis!”. Depois de uma despedida tão calorosa
quanto esta postura sobranceiro-assustada permitiu, assim que os pais fecharam
a porta da sua nova casa, o João deitou-se sobre a sua nova cama (como lhe
pareciam estranhos a almofada, o cheiro e as esquinas da nova casa) e chorou.
Chorou desalmadamente. De medo (do que aí vinha). De raiva (por não ter conseguido ser claro na hora de procurar, no colo dos pais, a segurança que o poderia sossegar). Até que o
telefone tocou. Enxugou as lágrimas, mas não conseguiu disfarçar a voz triste e
arrastada. Eram os pais, em uníssono, a dizer: “Hei, João, a primeira noite é
um bocadinho difícil. A 2ª e a 3ª talvez também ainda possam ser um bocadinho. Mas vai,
evidentemente, correr bem!”. Desta vez o João não se conteve... e chorou. Nem a
distância que o telefone impõe o impediu de sentir o colo dos pais, bem ali, para
si, forte e seguro, para o que desse e viesse. E o medo avassalador transformou-se numa espécie de nervoso miudinho que, pouco a pouco, começou a abrir brechas para o encantamento de quem está prestes a agarrar um admirável mundo novo.
Talvez
seja sempre um bocadinho assim. Talvez os medos se tornem bem menos
assustadores sempre que somos capazes de
os confiar a quem os acolhe e nos ajuda a transformá-los, abrindo espaço para o
entusiasmo de quem quer agarrar o futuro com as duas mãos!
*Título de um
romance de Auldous Huxley
Nota: Atendendo ao profundo respeito pela
intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e
aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente),
como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo,
uma ou outra vez, inspirados num ou noutro aspeto de histórias reais - está
muito longe de corresponder a uma descrição literal.