Talvez nunca, como hoje, tivéssemos podido
sonhar com um grande amor (ou não fossem os casamentos por amor uma feliz
“invenção” recente), uma família feliz (ou não fosse a generalização das
manifestações abertas de afeto uma feliz “invenção” recente), uma rede próxima
de amigos e um projeto profissional que permita casar realização com autonomia
financeira. Apesar de todos os imensos males do mundo (da gravíssima crise
humanitária dos refugiados, ao terrorismo, passando pelas crises económicas e pelo
desemprego, pela xenofobia, violência e maus-tratos infantis, por exemplo),
talvez nunca como hoje, na história da Humanidade, tivéssemos podido sonhar e
reclamar para nós, de forma tão alargada e democrática, a Felicidade. E isso
parece-me - apesar de todos os males do mundo – uma extraordinária conquista!
Mas talvez às vezes, vezes de mais, a
reclamemos com tanta ânsia e sofreguidão aqui, agora e já, arrebatadora e
eterna, de preferência, que a procuremos enclausurar numa qualquer fórmula do
tipo: “os 10 passos para a felicidade”. Sendo a vida um milagre (!), as
fórmulas mágicas, mais ou menos instantâneas, não me parecem, de todo, a forma mais efetiva de a agarrar pelos colarinhos!
Mas o que nos torna mais felizes, então? Um
estudo de larga escala, dirigido por Robert Waldinger, um psiquiatra e
psicanalista de Harvard, diz-nos que são as pessoas, a qualidade das relações
com as pessoas da nossa vida! De forma não tão diferente assim – parece-me – do
que os psicanalistas das relações de objeto vêm, há décadas, chamando a
atenção: as vidas têm pessoas dentro! Umas atrapalham, assustam, assombram,
tolhem, muito mais do que guiam. Incitam-nos a afastarmo-nos de nós próprios,
da sabedoria do que sentimos. Outras, não deixando de ser importantes, não
passarão de figurantes com mais ou menos pinta. As mais preciosas de todas,
parece-me, serão aquelas que, com o seu amor e admiração, nos fazem sentir o special one, ao mesmo tempo que, de cada
vez que abusamos na vaidade, nos põem no lugar e nos lembram que somos só um em
milhões com o coração no sítio e os neurónios a funcionar. Serão, creio,
autênticas estrelas guia a alumiar o caminho para o mais fundo de nós, para o
mais fundo do outro. Quanto mais esta complexa rede de pessoas (tão diferentes)
que moram dentro de nós nos permitirem, sem soçobrar, chorar as perdas ou
zangarmo-nos abertamente com o que nos magoa, mais perto estaremos – creio – de
confiar na vida. Quanto mais nos convidar a pormo-nos em causa e a aprender com
os erros, mais próximos estaremos – creio – de sermos mais humildes, mais
lutadores e mais afoitos. Quanto mais esta comunidade do nosso mundo interior
(e exterior) confiar e exigir o melhor de nós, mais prontos estaremos – creio –
para nos despojarmos para a relação. Talvez seja a forma como permitimos que
este diálogo de Babel se torne cada vez mais fluído, inclusivo e transparente
dentro de nós - pondo todas as personagens (tão diferentes entre si) da nossa
vida à discussão – que faz realmente a diferença nas nossas vidas. Talvez isso
seja determinante para termos fé nos
vínculos (como lhe chamava Bion), na vida e no futuro. Talvez isso seja
determinante para, à boa maneira do 2º Exótico Marigold Hotel, nunca deixarmos
de confiar que no final tudo bate certo.
Mas como é
que se faz? Ou, como pergunta o Bob Dylan na sua Blowin´in
the wind: How many roads must a man
walk down before you can call him a man?
Ao
aprendermos com os erros e a experiência, iluminados por quem, dentro de nós,
não desiste de fazer de estrela guia, talvez tornemos o mapa para o mais fundo
de nós, para o mais fundo do outro, um bocadinho mais claro de cada vez que
somos capazes de parar para nos escutar… no outro.