quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Ano Novo e outros desejos!

Gosto da ideia de se festejar o ano novo. Gosto de tudo o que sirva de mote para as pessoas celebrarem juntas! Mas a passagem de ano será muito mais do que uma festa qualquer. Tem uma dimensão simbólica (mais ou menos mágica) que a associa à possibilidade de recomeço. Afinal de contas: “ano novo, vida nova!”

12 badaladas, 12 passas, 12 desejos!
Pedir desejos é bom! Resgata a esperança. Ajuda a configurá-la. Mas não chega para conquistar o futuro! Os desejos precisam de ser acarinhados, polidos com paciência até, com uma pontinha de sorte, se transformarem em projetos viáveis.
Sim, desejar é bom! Na verdade, os desejos nunca são irrealizáveis! Ganhar o euromilhões ou comprar uma ilha no Pacífico não serão bem desejos, parece-me. Desejos megalómanos não serão bem desejos, parece-me. Servirão, quando muito como refúgio mágico para quem, tolhido pelo medo, se recusa a projetar o futuro. No fundo, não será tão diferente assim (ainda que por linhas travessas) de quando se poupa nos desejos (e nos rasgos de vida) para se poupar nas desilusões. 
Tenho para mim que o desejo será, assim, uma espécie de ligação, pela esperança, entre o imaginário e as possibilidades que a realidade oferece. Numa espécie de 2 em 1, será o caminho mais efetivo para agarrar o futuro, servindo, ao mesmo tempo como vacina que ajuda a metabolizar a desilusão. Uma dor condensada num falhanço (a partir do qual é possível tirar ilações e crescer com a experiência) será - tenho para mim - mais facilmente metabolizável do que a dor difusa, mas omnipresente, de quem, invariavelmente, não vai a jogo (evitando desejar ou precipitando-se numa catadupa de desejos megalómanos). 

Um Ano Novo cheio de desejos feitos projeto!

domingo, 11 de dezembro de 2016

Talvez o Natal seja só quando o Homem puder... querer!

   As luzes dão um brilho especial à Baixa da Cidade. Os mercadinhos de Natal, a pista de gelo, as ruas cheias de gente, os vendedores de castanhas e a árvore estrategicamente posicionada bem no meio da praça completam o cenário. Mas nem a vista privilegiada que a grande janela do seu escritório abre para toda esta beleza ajuda a Maria a reconciliar-se, um bocadinho que seja, com o Natal. Tudo a irrita nesta época: as filas intermináveis para o trabalho (que culpa tem ela que o escritório seja mesmo no centro da cidade?!), o entusiasmo da Marta (a sua colega da secretária em frente) com o espirito natalício, os filmes que invadem todos os canais de televisão. Chega o 1º de dezembro e já só suspira por janeiro!
    A magia do Natal parece, para ela, ter morrido com a avó paterna, quando tinha apenas 10 anos. A lareira enorme e os presentes ajudavam, mas eram as rabanadas da avó (“nunca mais comi umas rabanadas assim”! recorda com a voz embargada) e o seu colo (sobretudo o seu colo!) que faziam renascer, a cada ano, o espírito natalício. Depois disso, o Natal foi perdendo cor… muito à boleia da tristeza profunda da mãe que, ano após ano, fazia da consoada uma espécie de romagem de saudade à memória dos avós da Maria. O seu pai, talvez por ficar sempre muito atrapalhado com a tristeza do outro, parecia refugiar-se, cada vez mais, numa distância mais ou menos impenetrável. Anos mais tarde, os Natais na família do ex-marido eram bem mais parecidos com os que via nos filmes, em miúda. A casa estava sempre cheia: de gente, de comida e de presentes. Mas talvez o que mais a impressionasse fosse mesmo sentir a casa cheia da alegria de estarem juntos. Uma alegria em que todos (a começar pelo ex-marido) se esforçavam para a incluir. “Sabe, o ambiente era mesmo de alegria. Eu não tinha o direito de o estragar. Mas… o Afonso (ex-marido) parecia um miúdo com os olhos a brilhar. Pareciam todos. Eu fazia um esforço… mas irritava-me tanto não estar feliz. Eu acho que me irritava a capacidade do Afonso para se encantar. Ele era assim: encantava-se com o Natal, as viagens, as festas de família, o futebol, a música, os filmes… Até as habilidades do Madjer (o labrador que adotaram no canil municipal) o encantavam! Acho que foi por isso que o meu casamento acabou: há muito que não me conseguia encantar”!
   Este ano o Martim ia passar o Natal com o pai. Sem a única pessoa que a faz investir tempo e imaginação num presente (todos os outros são corridos a vales da Fnac e da Zara) os Natais são ainda mais dolorosos. Como se não bastasse ter o filho a 200 Km de distância, este ano teve de partilhar a mesa da consoada com a prima do Algarve com quem a mãe sempre a comparou. À boleia desta “intrusa”, pela primeira vez em anos, toda a família foi à missa do Galo e, depois, à festa comunitária que irradia alegria a partir de uma fogueira enorme, bem no centro da aldeia dos pais. O sorriso da mãe tantos Natais depois (resgatado pela prima do Algarve… e não por si ou pelo seu Martim), as correrias das crianças, as famílias a celebrar reencontros, os casais de mão dada… era tudo o que lhe faltava para desabar num desamparo sem fim. Chorou, desalmadamente, noite dentro até, por fim, sucumbir ao cansaço num sono sobressaltado.
   De regresso ao trabalho, foram o brilho e as histórias da Marta a fazer rebentar o dique uma vez mais. Caiu num choro desamparado mesmo ali, bem no meio do escritório com vista privilegiada para o cenário festivo da praça. Mas, desta vez, não chorou sozinha. “Chorei no abraço da Marta. E soube-me tão bem. Sabe, acho que foi o melhor abraço que tive em anos … Fez-me lembrar o abraço da minha avó”.

   Talvez seja sempre um bocadinho assim. Talvez precisemos (todos) de quem nos mostre que, muito mais do que nunca ficar triste, vale a pena não desistir de encontrar o caminho para os abraços onde se pode chorar sem perder o chão. Talvez, assim, fiquemos (todos) muito mais aptos para nos reconciliarmos com o Natal... e com a vida! 

Feliz Natal!

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.