As luzes dão um brilho especial à Baixa da
Cidade. Os mercadinhos de Natal, a pista
de gelo, as ruas cheias de gente, os vendedores de castanhas e a árvore
estrategicamente posicionada bem no meio da praça completam o cenário. Mas nem
a vista privilegiada que a grande janela do seu escritório abre para toda esta
beleza ajuda a Maria a reconciliar-se, um bocadinho que seja, com o Natal. Tudo
a irrita nesta época: as filas intermináveis para o trabalho (que culpa tem ela
que o escritório seja mesmo no centro da cidade?!), o entusiasmo da Marta (a
sua colega da secretária em frente) com o espirito natalício, os filmes que
invadem todos os canais de televisão. Chega o 1º de dezembro e já só suspira
por janeiro!
A magia do Natal parece, para ela, ter
morrido com a avó paterna, quando tinha apenas 10 anos. A lareira enorme e os
presentes ajudavam, mas eram as rabanadas da avó (“nunca mais comi umas
rabanadas assim”! recorda com a voz embargada) e o seu colo (sobretudo o seu
colo!) que faziam renascer, a cada ano, o espírito natalício. Depois disso, o
Natal foi perdendo cor… muito à boleia da tristeza profunda da mãe que, ano após
ano, fazia da consoada uma espécie de romagem de saudade à memória dos avós da
Maria. O seu pai, talvez por ficar sempre muito atrapalhado com a tristeza do outro, parecia refugiar-se, cada vez mais, numa distância mais ou menos
impenetrável. Anos mais tarde, os Natais na família do ex-marido eram bem mais
parecidos com os que via nos filmes, em miúda. A casa estava sempre cheia: de
gente, de comida e de presentes. Mas talvez o que mais a impressionasse fosse
mesmo sentir a casa cheia da alegria de estarem juntos. Uma alegria em que
todos (a começar pelo ex-marido) se esforçavam para a incluir. “Sabe, o
ambiente era mesmo de alegria. Eu não tinha o direito de o estragar. Mas… o
Afonso (ex-marido) parecia um miúdo com os olhos a brilhar. Pareciam todos. Eu
fazia um esforço… mas irritava-me tanto não estar feliz. Eu acho que me
irritava a capacidade do Afonso para se encantar. Ele era assim: encantava-se
com o Natal, as viagens, as festas de família, o futebol, a música, os filmes…
Até as habilidades do Madjer (o labrador que adotaram no canil municipal) o
encantavam! Acho que foi por isso que o meu casamento acabou: há muito que não
me conseguia encantar”!
Este ano o Martim ia passar o Natal com o
pai. Sem a única pessoa que a faz investir tempo e imaginação num presente
(todos os outros são corridos a vales da Fnac e da Zara) os Natais são ainda
mais dolorosos. Como se não bastasse ter o filho a 200 Km de distância, este
ano teve de partilhar a mesa da consoada com a prima do Algarve com quem a mãe
sempre a comparou. À boleia desta “intrusa”, pela primeira vez em anos, toda a
família foi à missa do Galo e, depois, à festa comunitária que irradia alegria a
partir de uma fogueira enorme, bem no centro da aldeia dos pais. O sorriso da
mãe tantos Natais depois (resgatado pela prima do Algarve… e não por si ou pelo
seu Martim), as correrias das crianças, as famílias a celebrar reencontros, os
casais de mão dada… era tudo o que lhe faltava para desabar num desamparo sem
fim. Chorou, desalmadamente, noite dentro até, por fim, sucumbir ao cansaço num
sono sobressaltado.
De regresso ao trabalho, foram o brilho e as
histórias da Marta a fazer rebentar o dique uma vez mais. Caiu num choro
desamparado mesmo ali, bem no meio do escritório com vista privilegiada para o
cenário festivo da praça. Mas, desta vez, não chorou sozinha. “Chorei no abraço
da Marta. E soube-me tão bem. Sabe, acho que foi o melhor abraço que tive em
anos … Fez-me lembrar o abraço da minha avó”.
Talvez seja sempre um bocadinho assim.
Talvez precisemos (todos) de quem nos mostre que, muito mais do que nunca ficar
triste, vale a pena não desistir de encontrar o caminho para os abraços onde se
pode chorar sem perder o chão. Talvez, assim, fiquemos (todos) muito mais aptos
para nos reconciliarmos com o Natal... e com a vida!
Feliz Natal!
Nota: Atendendo
ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de
guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado
(de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os
textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de
histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.