domingo, 20 de novembro de 2016

A saúde mental faz bem ao PIB!

  A Maria faz parte dos quadros da função pública há mais de 20 anos. Não está na secretaria por estes dias. Já conta com 3 baixas psiquiátricas no currículo. Depressão diz o relatório. O Inácio, mais sonolento a cada dia que passa, não dorme 3 horas seguidas vai para um ano. À noite, apaga a luz e acende-se a angústia. As preocupações, que o cansaço e a ocupação vão adormentando durante o dia, vêm em catadupa na hora de dormir. Parte da fatura tem sido paga pelas máquinas industriais: a rapidez e eficiência com que sempre as reparou e afinou têm vindo a diminuir a olhos vistos. As linhas de produção ressentir-se-ão em breve. E, com elas, a faturação da empresa.  Vinha correndo bem a vida ao jovem Bernardo. O MBA numa Business School de renome abriu-lhe as portas de uma multinacional de sucesso. Os contratos avultados de exportação que conseguiu fechar aceleraram-lhe o futuro promissor na gestão. Mas a ascensão meteórica está agora entalada. No 1º semestre do ano, não conseguiu um único novo cliente internacional. Não, não perdeu a visão estratégica nem o tato para o negócio. Mas as horas antes das reuniões com os clientes passaram a ser ocupadas por 1001 estratégias para não ter de lhes apertar a mão. As horas depois, com 1001 estratégias para que ninguém percebesse que as ocupava, quase na totalidade, a lavar as mãos com tudo o que é desinfetante.

  A promoção da saúde mental (através da intervenção psicológica e das psicoterapias, nomeadamente) é, antes de mais, uma questão de humanidade e equidade social – justificação muito mais do que suficiente para a implementação de uma estratégia sustentada de saúde mental. Mas, na era em que tudo cabe num indicador económico, é bom lembrar o relatório da OCDE sobre esta matéria (ou, num outro plano, o estudo sobre o custo-efetividade de intervenções psicológicas em cuidados de saúde, realizado pela Ordem dos Psicólogos Portugueses). Dele parece decorrer que os gastos com uma estratégia sustentada de promoção da saúde mental não são bem custos. Serão antes investimento com retorno. Às poupanças com as baixas e com prestações sociais, junta-se um aumento da produtividade do trabalho. Nós não andávamos a precisar de apanhar boleia na expansão económica dos últimos trimestres, para continuar a fazer crescer o PIB?!

Nota:  Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, uma ou outra vez, inspirados num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.

domingo, 6 de novembro de 2016

Lados lunares e outros recursos!

Sempre foi um exemplo. Para os colegas. Os primos. Os vizinhos. Na escola, no ballet, na música ou na catequese. Foi crescendo com a ideia de que o erro era coisa de fracos e que, a repetir-se, poderia, no limite, levar à prescrição: afinal de contas, dos fracos não reza a História! Talvez por isso, se fosse sentindo sempre muito mais confortável num mundo de regras. O importante era fazer direitinho. Cumprir e cumprir... por cumprir. Sem questionar ou levantar ondas. Cada teste escolar (por mais que dominasse a matéria de trás para a frente) era uma espécie de prova dos nove do seu valor enquanto pessoa. Passava sempre com distinção: na escola, no ballet, na música ou na catequese. Mas sentia, ainda assim, que ficava sempre aquém. Como se a possibilidade de errar a perseguisse por todo o lado, sem que os sucessos fossem capazes de estancar o medo, para lá do regozijo do momento.
  Nunca se portava mal. Nem fazia birras. Talvez desconfiasse (sempre) da ideia de haver alguém capaz de acolher o seu “lado lunar”. Na dúvida, tentava esconde-lo. Como se, ao camuflá-lo, ele deixasse, magicamente, de existir. Mas, se isso lhe foi assegurando os ganhos secundários de um lado excessivamente certinho, parece ter-lhe condicionado em demasia a capacidade espontânea e descontraída de se chegar aos outros. 
  E, mais ou menos de rompante, começaram a surgir os medos: de cães, primeiro. De dormir ou de estar sozinha à luz do dia, no quarto, depois. Dos meninos do recreio, na escola nova. De ir sozinha ao quintal. Dos melros que fizeram ninho na roseira do jardim. Das motas que passavam na estrada. Dos senhores do café do fundo da rua, etc, etc. Com os medos vieram, também,  ataques de fúria (que nunca ninguém lhe tinha visto!) cada vez mais frequentes, intercalados, ainda assim, com períodos em que voltava a exibir orgulhosamente a medalha olímpica do bom comportamento.
 
  Por mais que todos gostemos de medalhas de bom desempenho e de bom comportamento, talvez nem todas mereçam festejos e regozijos!
 Talvez o grande desafio seja mesmo o de compatibilizar regras (que balizem o crescimento) com espontaneidade; exigência com oportunidades de expressão (do “lado lunar” também...). 
 Talvez a tristeza, o medo, a raiva ou a inveja nunca se possam mesmo transformar em forças criativas à margem de um olhar que as acolha e ajude a transformar. Talvez estes sentimentos que, tantas vezes, vamos interpretando como “maus” não passem, tantas e tantas vezes, de “pensamentos à procura de um pensador” (recordando Bion) que vão corroendo, por dentro, sempre que não encontram acolhimento e transformação na relação.
 Afinal de contas, ninguém cresce saudável a tentar amordaçar o que sente, em favor do que acha que devia sentir! Ou não fosse o coração feito para sentir por inteiro… em relações que balizam os exageros, ao mesmo tempo que acolhem e transformam (também o "lado lunar"...)!

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.