Foi crescendo com a ideia de que não era bom a fazer
amigos. Nem no futebol, no basquete, ou na relação com a escola, a aprendizagem
e os professores. Muito menos a fazer os pais sentirem-se orgulhosos das
conquistas que, invariavelmente, pensava nunca estarem ao seu alcance. Por mais
que tivesse um conjunto de competências de base para a relação ou para a
aprendizagem, era difícil para o Francisco não se sentir uma espécie do patinho
feio da família, da escola ou das atividades extracurriculares. Por mais que
tivesse um conjunto de competências de base para se chegar aos outros, era difícil
para o Francisco não assumir que a generalidade dos colegas e professores não
morriam de amores por si. Por mais que tivesse um conjunto de competências de
base merecedoras de orgulho, era difícil para o Francisco escapar à ideia de
que era uma espécie de desilusão oficial para os pais. Não admira, portanto, que
na hora de se misturar com os colegas, no recreio, as suas competências relacionais
fossem ofuscadas pelo medo de se sentir rejeitado e humilhado. E que, em função
disso, camuflasse o medo numa postura ora mais distante e altiva, ora mais
arrogante e desafiadora. Com os professores não parecia ser muito diferente. Especialmente
com aqueles que sentia gostarem menos de si. Entrava em escaladas de conflito
que nem as sucessivas chamadas à direção pareciam conseguir parar. O registo antes
quebrar que torcer parecia pautar, também, muitos aspetos da relação com a mãe. O desafio constante
(para lá de todos os limites razoáveis) parecia aumentar de forma proporcional aos
castigos com que o procurava disciplinar. Já com o pai, era mais difícil para o
Francisco não quebrar. Não que o pai fosse particularmente austero. Mas, ao pé
dele, o seu ar de durão rapidamente dava lugar a uma expressão abertamente
triste, que acabava por rebentar num choro sofrido, mas já no quarto, para onde
fugia para chorar sozinho, durante horas.
Talvez
o Francisco precise, de facto, de chorar durante horas. Mas não sozinho! Precisará,
parece-me, de quem lhe páre os exageros (metendo-lhe o dedo no nariz com tanta convicção
quanto a que for necessária) ao mesmo que acolhe as suas dores e medos, e os
ajuda a compreender. Precisará, parece-me, de quem o ajude a perceber que, ao
contrário do que foi imaginando, não tem nenhum defeito de fabrico que o impeça
de se chegar aos outros. Que sente bem as injustiças e que tem o direito (e o
dever!) de se revoltar contra elas. Mas que, quando estamos muito assustados, às
vezes atacamos, com fúria, para nos protegermos. E que isso até pode afastar
quem nos magoa mas, muitas vezes, é também um chega para lá monumental a todos
aqueles que gostam de nós e que, com o seu amor, nos podem ajudar a metabolizar
a dor. E que o grande desafio, nestas circunstâncias, é dar um chega para cá a
quem não nos deixa ser arrogantes e altivos, ao mesmo tempo que nos ajuda a traduzir
em palavras, em histórias e em gestos, os sinais de fumo (da arrogância ao desafio) com que vamos
comunicando a dor. Se assim for, estaremos todos mais aptos para reconhecer, em
nós, as competências que nos tornam “gostáveis”. E, por isso, mais aptos para
reclamar, com clareza, o amor, o cuidado e o orgulho de todos quantos são
fundamentais para nós.
Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade
das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos
princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como
não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, uma ou
outra vez, inspirados num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito
longe de corresponder a uma descrição literal.