domingo, 27 de janeiro de 2019

Angústia e outros apelos!


  Sempre foi certinha. Excessivamente certinha, na verdade. De boas notas e muito poucas birras, detestava quando a avó, desde que se lembra, a apontava como exemplo para os irmãos e os primos. Talvez porque quisesse poder ser outras coisas para além da Diana certinha, a que se foi sentindo aprisionada. Nas pouquíssimas vezes em que teve a veleidade de reclamar a plenos pulmões, numa birra como deve ser, a avó, secundada pela mãe e, perante o silêncio do pai, não poupou na exuberância com que lhe mostrava a desilusão que estava a ser para todos, ao mesmo tempo que lhe acenava com o escuro da cave, para onde iam as meninas que se portavam mal. Foi crescendo a engolir a dor (para dentro), e sem dar problemas (para fora). Já na Faculdade, não havia tempo nem espaço para o prazer: séries só as via nas férias, namorar era coisa para depois do curso, e as festas eram incompatíveis com as responsabilidades. Era preciso estudar, estudar e estudar. Muito mais pelo estoicismo e obrigação de cumprir, do que pelo prazer do conhecimento e das conquistas. Talvez por isso os resultados no curso de Direito – apesar de bons – ficassem sempre aquém do investimento e das suas competências. Sem que nada o fizesse prever (por mais que a Diana, no fundo, há muito o previsse), começou a ter episódios, cada vez mais frequentes, de uma angústia hemorrágica: um choro compulsivo de um desamparo sem fim, que ninguém parecia conseguir compreender ou serenar. Afinal tinha tudo. Era bonita e tinha boas notas. Tinha conforto financeiro e estava no curso que sempre quis. Não tinha, por isso, nenhuma razão para se sentir em baixo. Era isso que acabava por sentir sempre que, não aguentando mais, desmoronava num pranto ao pé de uma ou outra pessoa mais próxima. Depressa, à dor da angústia em queda livre, se juntou a dor (e a solidão) de se obrigar a estar bem ao pé dos pais, dos avós, dos tios e das colegas. Para não os preocupar, argumentava. Para além da angústia e do desamparo, a questão parecia, agora, ser muito mais: como é que eu posso esconder o sofrimento de quem, no fundo, preciso que mo acolha e ajude a compreender?

   Talvez seja sempre um bocadinho assim. Talvez a angústia vá ganhando terreno ao entusiasmo e ao brilho nos olhos sempre que não se encontra quem (dentro e fora de nós) a olhe nos olhos e a contenha. Talvez seja sempre um bocadinho assim. Talvez os recursos saudáveis se vão robustecendo e serenando a angústia sempre que se encontra (dentro e fora de nós) quem a acolha (sem claudicar) e a ajude a serenar e compreender.

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.

domingo, 20 de janeiro de 2019

Perigo! Alta tensão! Exames à vista!


   De olhar vivo e pensamento acutilante, o Manuel foi alimentando a ideia de que a inteligência, o investimento académico e o conhecimento não eram o seu forte. Por mais que as suas competências sobressaíssem nas mais diversas áreas que não a académica, insistia na ideia de que o investimento intelectual era uma benesse só ao alcance do “lado inteligente da família”, epíteto que reservava para a irmã e para as primas. Muito mais por isso do que por falta de competências de base (que manifestamente tinha!), foi vivendo o período de avaliações como uma espécie de morte anunciada das suas já depauperadas (dizia ele!) competências. Insistia, irritado: “eu não consigo estudar! Não me concentro! Procrastino! Eu sou assim! Nunca vou conseguir!”. E, de facto, de cada vez que se sentava para estudar, mil e uma tarefas (a louça por lavar, a estante para arrumar, a caixa de email por organizar) ganhavam, de repente, uma urgência que nunca tiveram, a não ser quando lhe permitiam, uma vez mais, não pôr à prova as suas competências. Tudo parecia passar-se como se uma derrota por falta de comparência (mesmo que à custa de uma ansiedade superlativa antes dos exames) fosse, invariavelmente, mais suportável do que uma derrota (ou uma vitória!) com sangue, suor e lágrimas.

    A Maria preparava os exames meticulosamente. Não tinha tempo para namorar, para ir ver a avó ou para se demorar nos almoços com a mãe. Muito menos para pequenos prazeres, aos quais só se permitia nas férias ou na primeira semana de aulas do semestre.  Era preciso estudar, estudar e estudar. Apesar de, há muito, colecionar boas notas, também ela se sentia (!) do lado dos menos dotados!  Com maior ou menor dificuldade, as colegas mais próximas conseguiam compatibilizar o estudo intenso com tempo para namorar e cafés para descomprimir. E, chegada a hora, pareciam sempre conseguir gerir a ansiedade que a avaliação desperta. “A minha única arma é o trabalho e o esforço. Eu não sei como é que elas conseguem. Têm melhores notas do que eu, mas namoram, e só no limite é que abdicam da sessão de cinema ou do café à 6ª feira à noite. E a Filipa, só se não der mesmo é que deixa de ir ao ensaio da tuna. Já eu não tenho tempo para nada! E não sei como é que elas conseguem! Se eu estudasse o que elas estudam… não aguentava. Mesmo assim é o que o que se vê”: uma espécie de reclusão, como se estudar não pudesse ser melhor do que uma avalanche de ansiedade e de um doloroso colecionar de sacrifícios.

  Os momentos de avaliação (académicos ou outros) despertam – sempre! – stresse. E não há nenhum mal nisso. Antes pelo contrário! Ou não servisse o stresse para ativar todos os nossos recursos, necessários para face aos desafios. Mas e quando o stresse atinge tal magnitude que, de repente, entorpece uma parte muito significativa das nossas competências?
  Talvez olhemos, vezes de mais, para o sucesso académico como uma decorrência direta da inteligência. Se, evidentemente, competências cognitivas de base são, quase sempre, condição necessária para um bom desempenho académico, estarão muito longe de ser a única variável significativa para o sucesso/insucesso. Lembro-me sempre, a este propósito, dos penaltis do célebre Portugal vs Polónia do Euro 2016, em que o Ronaldo, perante a recusa do João Moutinho em bater um penalti, o empurrou para o golo, ao gritar-lhe qualquer coisa como: vai, tu bates bem! Se falhares que se lixe (numa linguagem um bocadinho mais carregada, na verdade)! Sempre que os Manueis e as Marias descobrem, dentro de si, quem acredite em e por si antes mesmo de eles próprios acreditarem, empurrando-os para a vitória e segurando-os na derrota estarão, tenho para mim, muito mais próximos de transformar o stresse no motor para, com esforço e entusiasmo, se sintonizarem com o melhor dos seus recursos. Quanto mais o fizer, mais o Manuel perceberá (tenho para mim) que pode vencer o medo de ir a jogo! Quanto mais o fizer, mais a Maria perceberá (tenho para mim) que tem todos os recursos para, com flexibilidade, (re)agir perante o imprevisto e ir direta ao essencial (em vez de se perder em pormenores e notas de rodapé).

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.