Sempre foi certinha.
Excessivamente certinha, na verdade. De boas notas e muito poucas birras, detestava
quando a avó, desde que se lembra, a apontava como exemplo para os irmãos e os
primos. Talvez porque quisesse poder ser outras coisas para além da Diana certinha, a que se foi sentindo aprisionada. Nas pouquíssimas vezes em que teve a
veleidade de reclamar a plenos pulmões, numa birra como deve ser, a avó,
secundada pela mãe e, perante o silêncio do pai, não poupou na exuberância com
que lhe mostrava a desilusão que estava a ser para todos, ao mesmo tempo que lhe acenava com o escuro da cave, para onde iam as meninas que se portavam mal. Foi crescendo a
engolir a dor (para dentro), e sem dar problemas (para fora). Já na Faculdade,
não havia tempo nem espaço para o prazer: séries só as via nas férias, namorar era
coisa para depois do curso, e as festas eram incompatíveis com as
responsabilidades. Era preciso estudar, estudar e estudar. Muito mais pelo
estoicismo e obrigação de cumprir, do que pelo prazer do conhecimento e das
conquistas. Talvez por isso os resultados no curso de Direito – apesar de bons –
ficassem sempre aquém do investimento e das suas competências. Sem que nada o
fizesse prever (por mais que a Diana, no fundo, há muito o previsse), começou a
ter episódios, cada vez mais frequentes, de uma angústia hemorrágica: um choro
compulsivo de um desamparo sem fim, que ninguém parecia conseguir compreender
ou serenar. Afinal tinha tudo. Era bonita e tinha boas notas. Tinha conforto
financeiro e estava no curso que sempre quis. Não tinha, por isso, nenhuma
razão para se sentir em baixo. Era isso que acabava por sentir sempre que, não
aguentando mais, desmoronava num pranto ao pé de uma ou outra pessoa mais próxima.
Depressa, à dor da angústia em queda livre, se juntou a dor (e a solidão) de se
obrigar a estar bem ao pé dos pais, dos avós, dos tios e das colegas. Para não
os preocupar, argumentava. Para além da angústia e do desamparo, a questão parecia,
agora, ser muito mais: como é que eu posso esconder o sofrimento de quem, no
fundo, preciso que mo acolha e ajude a compreender?
Talvez seja sempre um bocadinho assim. Talvez a angústia vá ganhando
terreno ao entusiasmo e ao brilho nos olhos sempre que não se encontra quem
(dentro e fora de nós) a olhe nos olhos e a contenha. Talvez seja sempre um
bocadinho assim. Talvez os recursos saudáveis se vão robustecendo e serenando a
angústia sempre que se encontra (dentro e fora de nós) quem a acolha (sem
claudicar) e a ajude a serenar e compreender.
Nota: Atendendo ao profundo
respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas
histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo,
nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do
blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais -
está muito longe de corresponder a uma descrição literal.