Há silêncios que
aproximam. De tão quietos, permitem que vamos brincando com os nossos
pensamentos, lado a lado com o outro, numa espécie de silêncio-criatividade. Melhor
ainda, há silêncios que dão banda sonora a olhares que, de tão dentro que
olham, se escutam e entrelaçam (para lá das palavras). Serão assim uma espécie
de silêncios-abraço. Mas era, principalmente, dos silêncios-ruído de que me
falava a Sara. Daqueles que, de tão ausentes, cavam fossos na relação. Daqueles
que, de tão hostis, parecem ter tantos picos quantos os de um ouriço-cacheiro
assustado.
Aquele que era suposto ser um fim-de-semana
romântico não começara da melhor forma. O Bernardo conduzia, de rosto cerrado.
As poucas palavras que lhe saíam eram impropérios para o trânsito ou as
manobras de outros condutores. Irritada, a Sara respirou fundo e tentou
amenizar o ambiente o melhor que conseguiu, lembrando ao Bernardo que já
estavam em plena escapadinha a dois, e que, portanto, não era suposto estar
irritado. O Bernardo suspirou fundo e soltou um: eu não estou irritado. Continuaram
estrada fora: a Sara furiosamente a fazer scroll no telemóvel (como se estivesse,
realmente, interessada numa publicação que fosse), o Bernardo a saltitar, sem
parar, entre estações de rádio (como se ouvisse, realmente, uma que fosse).
Cada um mergulhado em mil e uma pequenas grandes mágoas. Cada um a falar delas num
registo mais encriptado do que o mais diferenciado dos Serviços Secretos: por
meio de um silêncio ensurdecedor, entrecortado, de quando em quando, por
palavras zangadas sobre o estado da estrada, a condução brusca, ou o estado do
tempo. Cada um na expectativa de que o outro descodificasse e legendasse a
mensagem, aguentasse os chega para lá, voltasse a descodificar e a
legendar a mensagem, voltasse a aguentar os chega para lá e, finalmente,
pusesse tudo no lugar com um abraço apertado.
Talvez seja sempre um bocadinho assim quando
as pequenas e grandes mágoas se vão acotovelando por debaixo do tapete. Talvez
não haja muito como desculpá-las verdadeiramente à margem das palavras que as
legendem, das histórias que as integrem e dos gestos que as reparem. A ser
assim, desbravar o espaço relacional que permita falar-se do que se sente, de forma
tão transparente quanto se é capaz, talvez seja, de facto, o mais eficiente dos
sistemas de tratamento de ruídos tóxicos. A ser assim, desbravar o espaço
relacional que permita falar-se do que se sente, de forma tão transparente quanto
se é capaz, talvez seja, de facto, a forma mais efetiva de abrir espaço para os silêncios que ligam.
Nota: Atendendo
ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de
guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado
(de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os
textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de
histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição
literal.