O penteado novo
que, finalmente, ousara fazer parecia distender-lhe o rosto. Não tanto, ainda
assim, como o casaco que o marido lhe oferecera no aniversário de casamento.
Pela primeira vez, em anos, o presente era a sua cara. Ao entrar no escritório,
na manhã seguinte, a Maria sentia-se leve, confiante e bonita como, na verdade,
há muitos anos não se sentia. Denunciavam-na o penteado e o casaco, mas muito
especialmente um brilho nos olhos que há muito não se lhe via. Talvez por isso,
a Marta – confidente dos queixumes e agruras em que a Maria há muito se sentia
enovelada - não tenha resistido a atropelar o Bom dia com um desdém
indisfarçável, um reparo ao penteado e outro, mais vincado, ao casaco. O casaco
que era a cara da Maria! O casaco que o marido se desunhou para encontrar, como
que para lhe dizer: até posso andar distraído vezes de mais, mas ainda sei
olhar para dentro de ti! Atónita, a Maria ficou sem reação. Entre a
desilusão e um jorro de raiva contida, tentou ignorar a investida da Marta.
Afinal de contas, é isso que as pessoas sensatas fazem, pensou de si para si.
Mas será mesmo
possível ignorar os descuidos, os ataques ou os toques de inveja de quem se
gosta?
Varrer, para
debaixo do tapete, tudo aquilo que se vai sentindo não cria um ruído
crescentemente insuportável que vai entorpecendo recursos e competências?
Varrer, para
debaixo do tapete, tudo aquilo que se vai sentindo não cria um ruído
crescentemente insuportável que, tarde ou cedo, arranjará forma de se fazer
ouvir?
Fazer por
ignorar os descuidos, os ataques ou os toques de inveja não é desistir (mais um
bocadinho) de quem se gosta? Reagir perante a
dor, metendo o dedo no nariz de quem se gosta, não é exigir reparação? E, com
isso, mais e melhor relação?
Nota: Atendendo
ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de
guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado
(de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os
textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de
histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.
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