O
João tem uma mão cheia de quilos a mais e é demasiado preso de movimentos para
ser bom a jogar à bola. Nas aulas, o rubor toma conta de todo o seu rosto só de
imaginar que um Professor o pode interpelar para ler um texto em voz alta, ou
para ir ao quadro resolver um exercício. O Manuel e o Francisco, intuindo o
pouco à vontade do João, não perderam tempo. Começaram a ridicularizá-lo,
levando consigo uma parte muito significativa da turma. Chamavam-no vermelhão,
a princípio. Depressa recuperaram o hit
da Fafá de Belém, cantando em coro: “vermelho, vermelhusco, vermelhão” de cada
vez que o João passava. Estenderam, depois, os mimos à pouca destreza física
que o João expressava nas aulas de Educação Física e, daí, à forma atrapalhada
como se relacionava com os colegas.
A cada dia que passava, mais o caminho para
a Escola parecia uma espécie de via verde para a tortura. O João ia procurando
ocupar o menos espaço possível (quem lhe dera ser invisível por aqueles dias),
mantendo o seu sofrimento em segredo. Tinha vergonha. Muita vergonha. A sua
autoestima andava pelas ruas da amargura. Até as notas que, apesar de tudo, a
iam alimentando começariam a ressentir-se em breve. Temia, porventura, sentir-se
ainda mais ridículo, fraco e desamparado se procurasse ajuda junto dos pais ou dum
ou outro Professor. Sentia-se uma fraude, um fraco, um falhado. E tudo o que
queria era sentir-se um vencedor aos olhos dos pais. E da Joana, do canto da
sala que, por mais que uma vez, ousou defendê-lo contra as investidas de boa
parte dos colegas.
Sim, o João precisa de ajuda! Precisa de quem o
proteja, em primeiro lugar, pondo no lugar quem usa e abusa das fragilidades do
João para esconder e acalmar as suas. Precisa de quem, ao ajudá-lo a
descodificar o que sente, o ajude a perceber que só se é verdadeiramente um
vencedor para alguém quando há, na relação, um lugar para expor e olhar de
frente as fragilidades. Precisa de quem o ajude a perceber que, sem esse espaço
de intimidade, até se pode fingir bem, mas talvez nunca se seja verdadeiramente
seguro de si. Precisa de quem o ajude a perceber que, mesmo com todas as
fragilidades e medos do mundo, tem mais do que qualidades para ser um vencedor
junto dos pais, das Joanas que lhe aparecerão vida fora, e de todas as pessoas
que se vão deixar encantar pelas suas qualidades e fragilidades. Precisa de
quem o ajude a puxar pelas suas competências, percebendo, por exemplo, que até
pode não ser um Ronaldo dos recreios, mas que o porte físico considerável e a
velocidade acima da média podem ser uma grande vantagem competitiva no rugby. Precisa
de quem, ao ajudá-lo a encontrar-se no que sente e a daí retirar contrapartidas
práticas, o ajude a usar as suas qualidades para aprender a pôr no lugar os Maneis
e os Franciscos da sua vida. Estará, nessas circunstâncias, muito mais perto de
se sentir (entre o medo e a audácia, as vitórias e as deceções) capaz de, com
entusiasmo, nunca desistir de (re)encontrar o caminho para se sentir o vencedor
no coração de todos aqueles que mais importam.
Nota: Atendendo ao profundo respeito pela
intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e
aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente),
como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo,
por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe
de corresponder a uma descrição literal.