Sempre foi uma
profissional exemplar: responsável, produtiva e criativa, como pedia a empresa,
no anúncio de emprego a que respondera. Nunca falhou um prazo. Nunca o tentou
esticar (por mais irrazoável que fosse). Nunca o tentou adiar (por mais que,
vezes de mais, o trabalho lhe entrasse descanso e lazer adentro). O lazer pelo
lazer, não era, de resto, luxo a que se sentisse muito autorizada. Ao desporto,
sentia-o mais como uma obrigação de manter a forma e a saúde, do que como um prazer.
Com a comida, sempre regrada, mantinha uma relação meramente funcional. Com os
amigos, parecia não ser tão diferente assim. E, dos amores (como de quase tudo
o que acelera muito o coração), parecia fugir (dolorosamente) muito mais do que
a má sorte de que se queixava podia dar a entender. Quando, num rasgo de vida, aceitou
o convite do grupo de amigas para irem ver o concerto dos Backstreet Boys,
sentiu-se ridícula. Como podia perder tempo a recuar à adolescência para ver
uma boys band? Quanto mais olhava as amigas, divertidíssimas, a fazerem figurinhas,
no concerto, mais se sentia tensa, presa, culpada e triste, profundamente
triste. Tudo ao mesmo tempo. Como que numa tentativa (mais ou menos
desesperada) de não se desmanchar num choro sem fim, comentou com uma das
amigas: “como é possível ficarem nesse estado, com música de adolescentes dos
anos 90?”. Talvez o que a Maria quisesse mesmo dizer, mas não fosse ainda capaz,
não andasse longe de: “como é que vocês fazem para se soltarem e divertirem
desta maneira? Ajudem-me a conquistar o direito ao prazer... pelo prazer!”
Sempre se sentiu responsável, produtiva e
criativa, como pedia a empresa, no anúncio de emprego a que a respondera.
Sempre até há um par de meses, quando o concerto dos Backstreet Boys fez de gota
de água que lhe dinamitou a motivação, as ideias, a energia e a vitalidade.
Talvez
seja sempre um bocadinho assim quando o funcional invade todo o espaço do
prazer. Até pode, num primeiro momento, acarretar ganhos (circunstanciais) na
vida profissional, por exemplo. Mas, ao acorrentar a subjetividade, talvez não
haja muito como não ir enferrujando recursos, amordaçando emoções e
desvitalizando relações.
Nota: Atendendo
ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar
as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de
sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os
textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de
histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição
literal.