domingo, 2 de fevereiro de 2020

O prazer tem má fama... mas não devia!


   Sempre foi uma profissional exemplar: responsável, produtiva e criativa, como pedia a empresa, no anúncio de emprego a que respondera. Nunca falhou um prazo. Nunca o tentou esticar (por mais irrazoável que fosse). Nunca o tentou adiar (por mais que, vezes de mais, o trabalho lhe entrasse descanso e lazer adentro). O lazer pelo lazer, não era, de resto, luxo a que se sentisse muito autorizada. Ao desporto, sentia-o mais como uma obrigação de manter a forma e a saúde, do que como um prazer. Com a comida, sempre regrada, mantinha uma relação meramente funcional. Com os amigos, parecia não ser tão diferente assim. E, dos amores (como de quase tudo o que acelera muito o coração), parecia fugir (dolorosamente) muito mais do que a má sorte de que se queixava podia dar a entender. Quando, num rasgo de vida, aceitou o convite do grupo de amigas para irem ver o concerto dos Backstreet Boys, sentiu-se ridícula. Como podia perder tempo a recuar à adolescência para ver uma boys band? Quanto mais olhava as amigas, divertidíssimas, a fazerem figurinhas, no concerto, mais se sentia tensa, presa, culpada e triste, profundamente triste. Tudo ao mesmo tempo. Como que numa tentativa (mais ou menos desesperada) de não se desmanchar num choro sem fim, comentou com uma das amigas: “como é possível ficarem nesse estado, com música de adolescentes dos anos 90?”. Talvez o que a Maria quisesse mesmo dizer, mas não fosse ainda capaz, não andasse longe de: “como é que vocês fazem para se soltarem e divertirem desta maneira? Ajudem-me a conquistar o direito ao prazer... pelo prazer!”
    Sempre se sentiu responsável, produtiva e criativa, como pedia a empresa, no anúncio de emprego a que a respondera. Sempre até há um par de meses, quando o concerto dos Backstreet Boys fez de gota de água que lhe dinamitou a motivação, as ideias, a energia e a vitalidade.

   Talvez seja sempre um bocadinho assim quando o funcional invade todo o espaço do prazer. Até pode, num primeiro momento, acarretar ganhos (circunstanciais) na vida profissional, por exemplo. Mas, ao acorrentar a subjetividade, talvez não haja muito como não ir enferrujando recursos, amordaçando emoções e desvitalizando relações.

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.