domingo, 19 de janeiro de 2020

É-se pequenino para sempre?


   As crianças tendem (e bem!) a olhar para os pais como uma espécie de super-heróis, com poderes de meter inveja a qualquer Super-Homem, na hora de as proteger.  E esta espécie de idealização será fundamental para que se sintam seguras e protegidas... vida fora.  Quer isto dizer que os pais não estão “autorizados” a ter dúvidas, a sentirem-se inseguros ou a enganarem-se? Antes pelo contrário! Mas se a relação nunca cresce à margem de dúvidas e falhas, já delegar competências na autoridade mais ou menos assustadora do papão ou do homem do saco é batota! Afinal de contas, como é que encaixa, no imaginário de uma criança, esta ideia de que há uma entidade ao pé da qual os pais podem muito pouco?
    Já os adolescentes, talvez não se autonomizem sem uma certa desidealização dos pais super-heróis da infância. Testam a autoridade dos pais ou questionam a forma como veem o mundo, na ânsia de encontrarem uma forma sua de crescer. Ao mesmo tempo que precisam (tanto como dantes!) de regras. Ao mesmo tempo que precisam (tanto como dantes!) daquele colo de super-herói, capaz de serenar as mais violentas tempestades. Mesmo quando, qual versão sofisticada do código Morse, o melhor que conseguem é pedi-lo com cara feia e chegas para lá.
   Mesmo que conquistado o direito (e o dever!) a construírem os próprios sonhos (e não aqueles que os pais tinham sonhado para si), os adultos (de todas as idades) continuam a precisar (muito!) de pais. E daquele colo de super-herói, que permitindo serem um bocadinho pequeninos para sempre, dá ganas para irem à luta pela vida como gente grande!

domingo, 12 de janeiro de 2020

Mas alguém nasce para ser segunda figura?


 Fazia, invariavelmente, os melhores testes da turma. Mas os elogios da Professora embaraçavam-na mais do que alegravam.  Era como se não os merecesse. Como se só pudessem decorrer de um erro de avaliação que, claro, acabaria por ser reposto e, tarde ou cedo, resultar num vexame (Como se atrevera a imaginar/desejar ser a melhor?).
 Com as amigas, na adolescência, não parecia ser muito diferente. Parecia colocar-se, invariavelmente, na sombra de uma ou duas amigas mais afoitas. Idealizava (e invejava mais ou menos secretamente!) a coragem delas para pisar o risco na relação com os pais e, sobretudo, a forma como arriscavam nos amores. Tudo parecia passar-se como se ser confidente de projetos e namoros alheios fosse o mais próximo que pudesse estar da vida. Mas, por mais que se sentisse em perda nestas relações desiguais, que lhe alimentavam o medo (e o ressentimento) mais do que o entusiasmo, ia ficando presa a elas. Quando, num sopro de vida, ousava sonhar os seus amores ou os seus projetos, procurando, nas amigas, a força para os levar por diante, sentia-se, quase sempre, desencorajada. Mas mais do que a revolta (que, invariavelmente, engolia), ficava o desamparo e a vergonha (como é que ousara, ainda que por instantes, desejar ser primeira figura?)
   Os anos arrebitaram-lhe o nariz. Mas mais por fora do que por dentro! Como me diz, num choro com tanto de sofrido como de transparente e corajoso: por detrás da maquilhagem, continuo a sentir-me a morrer de medo de não poder ser outra coisa que não uma segunda figura a viver, na sombra, relações desiguais.

  Talvez o que a Maria esteja a querer dizer seja que resignar-se a estar na sombra, perante a vida, para não se sentir desamparada, seja quase tudo o que a aproxima do desamparo! Talvez o que a Maria esteja a querer dizer seja que revoltar-se com o que a magoa levanta o nariz por dentro! E que reclamar o lugar de special one, junto de quem mais quer, é sair da sombra para lutar por dias mais solarengos!

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.