domingo, 12 de janeiro de 2020

Mas alguém nasce para ser segunda figura?


 Fazia, invariavelmente, os melhores testes da turma. Mas os elogios da Professora embaraçavam-na mais do que alegravam.  Era como se não os merecesse. Como se só pudessem decorrer de um erro de avaliação que, claro, acabaria por ser reposto e, tarde ou cedo, resultar num vexame (Como se atrevera a imaginar/desejar ser a melhor?).
 Com as amigas, na adolescência, não parecia ser muito diferente. Parecia colocar-se, invariavelmente, na sombra de uma ou duas amigas mais afoitas. Idealizava (e invejava mais ou menos secretamente!) a coragem delas para pisar o risco na relação com os pais e, sobretudo, a forma como arriscavam nos amores. Tudo parecia passar-se como se ser confidente de projetos e namoros alheios fosse o mais próximo que pudesse estar da vida. Mas, por mais que se sentisse em perda nestas relações desiguais, que lhe alimentavam o medo (e o ressentimento) mais do que o entusiasmo, ia ficando presa a elas. Quando, num sopro de vida, ousava sonhar os seus amores ou os seus projetos, procurando, nas amigas, a força para os levar por diante, sentia-se, quase sempre, desencorajada. Mas mais do que a revolta (que, invariavelmente, engolia), ficava o desamparo e a vergonha (como é que ousara, ainda que por instantes, desejar ser primeira figura?)
   Os anos arrebitaram-lhe o nariz. Mas mais por fora do que por dentro! Como me diz, num choro com tanto de sofrido como de transparente e corajoso: por detrás da maquilhagem, continuo a sentir-me a morrer de medo de não poder ser outra coisa que não uma segunda figura a viver, na sombra, relações desiguais.

  Talvez o que a Maria esteja a querer dizer seja que resignar-se a estar na sombra, perante a vida, para não se sentir desamparada, seja quase tudo o que a aproxima do desamparo! Talvez o que a Maria esteja a querer dizer seja que revoltar-se com o que a magoa levanta o nariz por dentro! E que reclamar o lugar de special one, junto de quem mais quer, é sair da sombra para lutar por dias mais solarengos!

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal. 

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