segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

As emoções são perigosas?

   Vamos, em algumas circunstâncias, olhando para as emoções como se, de repente, sem mais nem para quê, se pudessem transformar num qualquer material perigoso, que nos tolda o bom senso e nos domina a razão. Talvez por isso, vamos usando máximas como: “pensar com a razão e não com o coração”, presumindo, como Déscartes, que as pessoas se podem partir ao meio: razão (e cabeça) para um lado, emoção (e corpo) para outro. Como se, de repente, o pensamento racional e as emoções não fossem processadas no mesmo cérebro e no mesmo corpo, em circuitos e estruturas intimamente ligadas entre si.
   Se, numa ou noutra circunstância particular, todos vamos procurando camuflar o que sentimos, varrendo para debaixo do tapete emoções como o medo, a raiva ou a tristeza, quando estes movimentos calcificam, tornando regra a contenção emocional, tudo parece passar-se como se procurássemos, invariavelmente, contrariar a natureza humana (e a biologia nervosa!) … não sentindo! Tenderemos, nestas circunstâncias, a ficar mais alexitimicos (menos atentos e capazes de ler e interpretar a emoção no outro e em nós próprios), menos flexíveis, mais impulsivos (a prazo) e menos sintonizados com a saúde… e com a relação.
  
   A ser assim, talvez a questão nunca possa ser: como conseguir não sentir (a raiva, o medo ou a tristeza). Mas antes (como Bion há muito chamou a atenção) como é que podemos construir os espaços relacionais que nos ajudem a pensar as emoções (vestindo-as de palavras e enredos simbólicos que as possam ligar e interpretar), a geri-las e a comunica-las de forma clara.
   A ser assim, as únicas emoções perigosas (seja por via da inibição, seja por via da impulsividade e do agir destrutivo) talvez sejam aquelas que nunca podem ver a luz do dia no espaço criativo de uma relação que as acolha e lhes dê um sentido. A ser assim, muito mais do que matéria potencialmente perigosa, as emoções serão um extraordinário manancial de sabedoria à espera de ser pensado… para aproximar as pessoas! 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Os movimentos independentistas fazem bem à saúde das relações?

  A Maria foi crescendo com a ideia, mais ou menos difusa, de que gostar muito de alguém – e pior, poder dizê-lo olhos nos olhos – é expor-se a uma vulnerabilidade a que uma mulher (ou um homem) do séc. XXI não se pode dar ao luxo. Foi sendo assim com os amigos, com os pais e com os amores. Não se lembra de, alguma vez, na adolescência, ter sido muito expressiva com a melhor amiga na hora de lhe dizer que aquela amizade era importante para ela ou de, numa formulação simples e clara, ter manifestado gratidão pelos inúmeros movimentos bondosos da amiga… como se os implícitos não precisassem da palavra e do ato para verem a luz do dia.
  Nas poucas vezes em que terá sido capaz de, numa formulação clara, dizer aos pais ou aos irmãos o quão fundamentais são na sua vida, sentiu-se tão exposta, tão ridícula, tão frágil que, nos meses seguintes, (quase) nada a fazia largar a máscara de durona.  
   Nos amores, habituou-se a fazer-se de difícil (quantas vezes… para lá do razoável!). Quantas vezes foi dizendo que não, na esperança secreta de que aquele homem tivesse superpoderes na arte de interpretar mensagens encriptadas ao ponto de perceber que aquele não queria afinal dizer: sim, a todo o vapor!
   Muito dona de si (no ar, pelo menos), morria de medo de ser dependente. Talvez por isso tivesse adotado o extraordinário verso do Jorge Palma: "a dependência é uma besta que dá cabo do desejo/a liberdade é uma maluca que sabe quanto vale um beijo”. Não tanto para pensar aquilo que ia sentindo (afirmando a sua autonomia), mas mais para racionalizar, não pensando (!), o seu medo da dependência. Como se a liberdade não emanasse da relação com o outro. Como se o medo paralisante de nos confiarmos na relação (a que a Psicanálise, em algumas circunstâncias, foi chamando angústia de separação)… não nos deixasse, a todos (!), mais dependentes… do medo de nos diluirmos ou, por outra, de nos partirmos em mil pedaços se a relação soçobrar. Como se o mundo só pudesse ser visto a preto e branco: ou não se confia (para se proteger) ou perde-se o sentido de si na relação, diluindo-se a identidade numa relação dependente, que adoece muito mais do que dá vida. Como se não nos tornássemos mais livres à medida que podemos confiar… apesar de todos os riscos! Como se a relação (que dá vida!), ao assumir a interdependência, não fosse, antes de mais, um exercício de autonomia e liberdade que nos ajuda a crescer com a diferença do outro significativo.
 
   A ser assim, talvez só a relação (seja ela amorosa, familiar, de amizade ou psicoterapêutica) próxima, transparente e autónoma (com espaço para o conflito e a diferença) possa reparar, devolvendo à vida, as dores (profundas, tantas vezes) abertas pelos desencontros e equívocos relacionais. Afinal de contas, muito mais do que um extra que podemos desligar com a facilidade com que se coloca no off uma app do smartphone… a relação não andará longe de ser uma feliz inevitabilidade humana! Talvez por isso, tal como a Maria, ainda que por razões diferentes, acho extraordinário o verso do Jorge Palma: a dependência é uma besta que dá cabo do desejo/a liberdade é uma maluca que sabe quanto vale um beijo”.

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, uma ou outra vez, inspirados num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal