Uma pianista
muito talentosa, idolatrada pelo público e pela crítica, preparava-se para
iniciar um concerto numa carismática sala de espetáculos. Aclamada efusivamente
mal pisa o palco, senta-se ao piano e procura, na plateia, o companheiro, como
que para se sossegar no seu olhar. Mas não encontrou mais do que uma cadeira
vazia. E, ato contínuo, as mãos começam a tremer-lhe e os suores frios tomam-lhe
todo o corpo. Até que, ao ver o companheiro (ainda que atrasado) tomar o seu
lugar, se volta a sentir a talentosa e confiante pianista, pronta a comover
plateias. Lembrei-me desta cena de filme quando, ao ouvir um trecho de uma
entrevista do Cristiano Ronaldo, ele dizia, a propósito da perda do pai, que o
que mais lhe custava era o pai não ter podido ver onde chegara, como que dando
a entender que só vale a pena ser o melhor do mundo quando se tem para quem.
Talvez seja sempre assim. Talvez não
haja como (como aprendemos com os psicanalistas das relações de objeto ou com
os teóricos da vinculação, por exemplo) imaginar o ser humano à margem da sua
rede de relações significativas (as reais e as que guarda, no mais fundo de si).
Talvez seja quando, da síntese desta matriz relacional, resulta mais indiferença
e solidão do que afeto e vida, que a busca do “amor do objeto” se traveste de
violência e maldade. Na ilusão de que, à falta de outros trunfos, a intimidação,
a violência ou a manipulação - que mais não fazem do que aprofundar, mais e
mais, o fosso do deserto relacional - possam aproximar o outro. Ou não fossem os gestos de afeto a única forma de tornar o outro
verdadeiramente aproximável.