segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Os adultos também crescem?

 Fala da família com a alma toda. Da avó com o coração do tamanho do mundo, aos irmãos (mais velhos) com quem aprendeu a conciliar rivalidade com abraços cúmplices; passando, claro, pelos pais que lhe foram dando (com todos os defeitos que os pais bondosos também têm) o colo e a autonomia para crescer bem. Talvez por isso, a Bárbara, mulher com mundo, brilho no olhar e sangue na guelra, se venha a sentir crescentemente desconfortável com aquilo que sente ser o ressuscitar do controlo dos pais. Desde que regressou de uma experiência profissional no estrangeiro e assumiu, pela primeira vez, uma “relação séria”, que os sente a intensificar recomendações e comentários acerca do seu visual, da forma como decora e arranja a casa, dos investimentos financeiros que devia ou não fazer, etc., etc. Sem conseguir, ainda, interpelar os pais acerca do seu mal-estar, acaba por se deixar enredar num clima mais impaciente e quezilento. Diz-me, revoltada: “às vezes parece que só conseguem dizer que sou preciosa na vida deles e que têm muito orgulho em mim quando vivo a 2000 km de distância. Desde que cheguei de Londres nunca mais me disseram! É só reparos e recomendações e reparos e recomendações e reparos e recomendações! Aos olhos deles, parece que voltei a ter 16 anos, que não me sei orientar e que faço tudo ao contrário! Eu quero entender-me com eles. Eu preciso muito deles! Mas não desta maneira! Já não sou uma teenager à deriva”.
           
  Talvez o medo de que a filha deixe de precisar deles (como se os filhos alguma vez deixassem de precisar dos pais!!!) esteja a enevoar o entusiasmo e o orgulho que os pais da Bárbara sentirão no seu crescimento. Talvez estejam só, numa fórmula encriptada, a dizer, cada um à sua maneira: “És preciosa na minha vida. Tanto, que morro de medo que, à medida que vais crescendo, deixes de precisar de mim. E se deixares de precisar, o que vai ser de mim?” Afinal, ser-se capaz de ligar o complicómetro para comunicar numa espécie de código Morse, colocando no off a capacidade de dar luz ao que sentimos, é uma “incompetência” que (todos) vamos treinando vezes de mais.
  Talvez a Bárbara esteja, ainda, a pensar, dentro de si como pode ser tão clara quanto é capaz, com os pais. E a ganhar fôlego para, de uma assentada, lhes dizer que nunca a filha mais nova (como os irmãos) vai deixar de precisar muito, muito dos pais. Não para controlarem os seus passos (como quando era pequena), mas para a empurrarem para o melhor dos seus recursos. Não para desdenharem as suas escolhas (por mais pequeninas que sejam), mas para nunca deixarem de estar atentos e lhe porem o dedo no nariz se alguma vez a sentirem a desistir do melhor de si própria. E que, na volta, um és preciosa na minha vida; um tenho tanto orgulho em ti ou um gosto tanto de ti é tão mais eficaz na hora de mostrarmos às pessoas o quão são fundamentais na nossa vida do que um: este sofá não fica bem aqui; tenho de ir contigo comprar os candeeiros e o serviço de loiça que tu não tens jeitinho nenhum! E que, já agora, estará na hora de (re)descobrirem o sonho, o projeto e o futuro porque têm o direito (e já agora o dever! porque, seja aos 5, aos 16 ou aos 40, aprende-se muito mais por bons exemplos do que por bons conselhos) de serem muito mais do que pais da mais nova, da mais velha e dos do meio.

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, uma ou outra vez, inspirados num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.