domingo, 23 de julho de 2017

Mas afinal, para que servem as férias?

  Muitos são os que, por esta altura, vão suspirando pelas férias, enquanto vagueiam pelas fotos de areias finas e águas cristalinas, que teimam em invadir as redes sociais.  
   Com o Bernardo parece ser um bocadinho diferente. Casado e pai de duas filhas, não gosta das férias: “tirar férias é um tormento. Todos os anos vamos de férias para o Algarve. Quinze dias. A minha mulher e as miúdas querem ir para a praia, passear na marina à noite, fazer churrascos, essas coisas… Eu não aguento!Tenho de trabalhar! As coisas ficavam atrasadas. Quinze dias sem fazer nada é muito tempo. E elas depois andam sempre de má cara porque quero ficar em casa a trabalhar. Não entendem”.
   O Bernardo é um profissional de sucesso. Trabalhador incansável, tem uma vida financeira estável, que lhe permite manter uma boa casa, um carro familiar de alta cilindrada e um outro utilitário, uma casa de férias no Algarve, colégios caros e atividades extracurriculares para as filhas.
  Mas não só as férias que o inquietam. Os sábados passa-os a trabalhar. Aos domingos, depois do jogo de vólei das filhas (passado, claro, a responder a e-mails de trabalho no i-phone) e do almoço na casa dos pais ou dos sogros, esquiva-se para o escritório lá de casa, adiando, uma vez mais, o passeio de mão dada com a mulher, ao entardecer.
  À noite, por muito cansado que esteja, tem quase sempre grandes dificuldades em adormecer. Ao ar amuado da mulher por (quase) nunca o sentir ali, realmente perto dela, juntam-se as mil e uma preocupações de trabalho. Estão sempre presentes, mas teimam em agudizar-se quando apaga a luz.

  Talvez o que o Bernardo queira dizer com o seu apelo, mais ou menos encriptado, seja qualquer coisa como: transporto tanta angústia dentro de mim, que temo que a única forma de a ir fintando seja esta espécie de hiperatividade funcional. Parar (seja para estar na praia ou numa esplanada a gozar a brisa do entardecer) é ser, brutalmente, invadido por ela. Talvez o que o Bernardo queira dizer com o seu apelo, mais ou menos encriptado, seja que este registo agitado e hiper-funcional em que tem estado mergulhado, ao mesmo tempo que vai (cada vez menos) fintando a angústia, o vai afastando, cada vez mais, de quem (a mulher, as filhas, os pais, os amigos…) o pode ajudar a transformar a angústia em palavras, as palavras em histórias e as histórias em vida. Talvez o que o Bernardo queira dizer com o seu apelo, mais ou menos encriptado, não ande longe de um: ajude-me a entender e a transformar toda esta angústia, para parar de, à boleia do trabalho, fugir dela e, com isso, afastar quem (a mulher, as filhas, os pais, os amigos, etc.) me pode ajudar a desfrutar do trabalho, da esplanada, do pôr-do-sol… da vida.

  Num mundo muito centrado na ideia de sucesso, corremos o risco desta espécie de hiperatividade funcional ser valorizada. Num primeiro momento até pode, de facto, representar ganhos de produtividade. Mas é insustentável a prazo. Correr por gosto não cansa. Já correr por medo (o medo de que à falta de um registo híper-funcional que a sustenha, a angústia tome conta de tudo), tenho para mim, dá maus resultados, a prazo. Talvez por isso o ócio (dos passeios de mão dada na brisa da tarde, às jantaradas de amigos, passando pelas reuniões familiares ou pelo dolce fare niente) seja fundamental para nos apaixonarmos pelo trabalho, pelo prazer, pelas pessoas e pela vida!

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais, está muito longe de corresponder a uma descrição literal.