terça-feira, 12 de abril de 2016

A quanto perigo preciso de me expor para me sentir vivo?

   Com apenas 18 anos de vida, o João já leva muito que contar. Está a repetir o 12º ano, depois de já ter repetido o 9º. A relação com os Professores é tensa. Com todos menos com o Professor de Matemática que, com a sua constância, afeto e firmeza, está a conseguir pôr o João no sítio, para espanto de toda a comunidade escolar. Apesar das explicações que se multiplicam (e, às quais, falta quase tanto como às aulas), as notas oscilam entre o medíocre e o satisfatório. Mas, por mais que a escola lhe doa (e dói, muito!), estará longe de ser o principal problema do João. Nos últimos meses foi parar 3 vezes ao Hospital, em estado quase comatoso, depois de beber shots em quantidades industriais. Fuma charros todos os dias e, de quando em vez, faz umas festas de experimentação de novas drogas com os amigos. Dantes comprava-as nas smartshops. Agora pela internet ou ao dealer lá da Escola. A grande prenda do seu 18º aniversário foi uma mota 125, que destruiu toda num acidente contra uma árvore e que lhe valeu umas quantas fraturas e um par de semanas no Hospital. Depois disso, já espatifou a mota do amigo contra uma barreira (desta vez sem danos físicos de maior). Vai acumulando, com os seus amigos, lutas violentas com grupos rivais que, de quando em vez terminam no hospital (para tratar escoriações) ou na esquadra (onde já foi parar, também, por posse de haxixe e pastilhas de ecstasy). A relação com os pais é distante e tensa. Não que não gostem dele. Não que não estejam preocupados. Mas tão depressa parecem desvalorizar com um “é da idade” comportamentos de claro perigo, como se excedem a propósito de um qualquer pormenor. Parecem conhecer mal o filho. Ter muita dificuldade em sintonizar-se com ele. Tanto que a sua principal preocupação, neste contexto mais ou menos explosivo, parecem ser as notas e a média para entrar na Faculdade! Já ao João nada o parece preocupar, vincando-o repetidas vezes, até rebentar num: “Eu não tenho sentimentos!” mais ou menos ameaçador!


   De facto, há jovens (e adultos!) que parecem sentir-se tão desvitalizados, tão desencontrados do espaço redentor da relação, da esperança, dos sonhos e dos projetos, que um contínuo desafio ao perigo (seja ele consubstanciado na condução de uma mota invariavelmente como se se estivesse a jogar um videojogo, no brincar ao Fight Club fim-de-semana sim fim-de-semana não, ou no anestesiar-se repetidamente com um cocktail de drogas e álcool, etc, etc.) parece ser a única forma de se sentirem vivos… de sentirem a adrenalina a correr nas veias! Esta sucessão vertiginosa de fugas para a frente (denegando os perigos) parece ser a única forma (disfuncional, mas ainda assim a única forma) que estão a encontrar para, ainda que apenas por momentos, aliviarem uma angústia avassaladora que os parece perseguir para onde quer que vão. A ser assim, para além de formar e informar sobre os riscos e os perigos (passo importante, naturalmente), será essencial dar a estes jovens o espaço relacional contentor (familiar, comunitário, escolar, psicoterapêutico…) que, ao mesmo tempo, que lhes bloqueia quaisquer exposições excessivas ao perigo, acolhe e os ajuda a legendar e pensar a angústia avassaladora que parecem carregar dentro de si (autêntico combustível dos comportamentos de risco, parece-me). 


Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.

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