domingo, 11 de setembro de 2016

E foram felizes para (nem) sempre…

   Talvez nunca, como hoje, tivéssemos podido sonhar com um grande amor (ou não fossem os casamentos por amor uma feliz “invenção” recente), uma família feliz (ou não fosse a generalização das manifestações abertas de afeto uma feliz “invenção” recente), uma rede próxima de amigos e um projeto profissional que permita casar realização com autonomia financeira. Apesar de todos os imensos males do mundo (da gravíssima crise humanitária dos refugiados, ao terrorismo, passando pelas crises económicas e pelo desemprego, pela xenofobia, violência e maus-tratos infantis, por exemplo), talvez nunca como hoje, na história da Humanidade, tivéssemos podido sonhar e reclamar para nós, de forma tão alargada e democrática, a Felicidade. E isso parece-me - apesar de todos os males do mundo – uma extraordinária conquista!
   Mas talvez às vezes, vezes de mais, a reclamemos com tanta ânsia e sofreguidão aqui, agora e já, arrebatadora e eterna, de preferência, que a procuremos enclausurar numa qualquer fórmula do tipo: “os 10 passos para a felicidade”. Sendo a vida um milagre (!), as fórmulas mágicas, mais ou menos instantâneas, não me parecem, de todo, a forma mais efetiva de a agarrar pelos colarinhos!
   Mas o que nos torna mais felizes, então? Um estudo de larga escala, dirigido por Robert Waldinger, um psiquiatra e psicanalista de Harvard, diz-nos que são as pessoas, a qualidade das relações com as pessoas da nossa vida! De forma não tão diferente assim – parece-me – do que os psicanalistas das relações de objeto vêm, há décadas, chamando a atenção: as vidas têm pessoas dentro! Umas atrapalham, assustam, assombram, tolhem, muito mais do que guiam. Incitam-nos a afastarmo-nos de nós próprios, da sabedoria do que sentimos. Outras, não deixando de ser importantes, não passarão de figurantes com mais ou menos pinta. As mais preciosas de todas, parece-me, serão aquelas que, com o seu amor e admiração, nos fazem sentir o special one, ao mesmo tempo que, de cada vez que abusamos na vaidade, nos põem no lugar e nos lembram que somos só um em milhões com o coração no sítio e os neurónios a funcionar. Serão, creio, autênticas estrelas guia a alumiar o caminho para o mais fundo de nós, para o mais fundo do outro. Quanto mais esta complexa rede de pessoas (tão diferentes) que moram dentro de nós nos permitirem, sem soçobrar, chorar as perdas ou zangarmo-nos abertamente com o que nos magoa, mais perto estaremos – creio – de confiar na vida. Quanto mais nos convidar a pormo-nos em causa e a aprender com os erros, mais próximos estaremos – creio – de sermos mais humildes, mais lutadores e mais afoitos. Quanto mais esta comunidade do nosso mundo interior (e exterior) confiar e exigir o melhor de nós, mais prontos estaremos – creio – para nos despojarmos para a relação. Talvez seja a forma como permitimos que este diálogo de Babel se torne cada vez mais fluído, inclusivo e transparente dentro de nós - pondo todas as personagens (tão diferentes entre si) da nossa vida à discussão – que faz realmente a diferença nas nossas vidas. Talvez isso seja determinante para termos fé nos vínculos (como lhe chamava Bion), na vida e no futuro. Talvez isso seja determinante para, à boa maneira do 2º Exótico Marigold Hotel, nunca deixarmos de confiar que no final tudo bate certo.
   Mas como é que se faz? Ou, como pergunta o Bob Dylan na sua Blowin´in the wind: How many roads must a man walk down before you can call him a man? 
 Ao aprendermos com os erros e a experiência, iluminados por quem, dentro de nós, não desiste de fazer de estrela guia, talvez tornemos o mapa para o mais fundo de nós, para o mais fundo do outro, um bocadinho mais claro de cada vez que somos capazes de parar para nos escutar… no outro.

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