O João
está a conseguir, no 11º ano, manter a média bem acima dos 18. É barra a
biologia, mas é a física e a matemática que mais o encantam. É neto de um
médico diferenciado. Desde que começou a brincar com o estetoscópio do avô que
todos lhe vaticinaram, mais ou menos em surdina, o futuro: seria nada mais nada
menos que um médico brilhante. Essa sempre foi uma meta assumida por si. Sempre
até há um par de meses, quando começaram a surgir as dúvidas. A paixão por
aviões (não há modelo da Boeing ou da Airbus que não descreva com uma enorme
naturalidade) e por máquinas em geral têm-no feito vacilar: a Engenharia
Aeroespacial ou a Engenharia Mecânica têm, timidamente, vindo a surgir como
hipóteses. Para além disso, diz o João: “eu até me via a investigar Biologia
Molecular, por exemplo, mas ser médico mesmo, aquela vertente mais clínica de
estar o dia todo a ouvir pessoas, levar com histórias desgraçadas, não sei se é
para mim”.
A
Joana, da mesma turma, sente-se perdida. Foi, vagamente, alimentando a ideia de
enveredar por Enfermagem ou, talvez, tentar Medicina em Espanha. Mas, tem vindo
a descobrir que o estudo da biologia humana (que implicaria a Enfermagem ou a
Medicina) não a encanta por aí além. Talvez o que mais a seduza num percurso
muito ligado à saúde seja a dimensão de relação humana, a ideia de poder ajudar
o outro, olhos nos olhos. Mas não morre de amores pelo frenesim de um Hospital
ou de um Centro de Saúde. A psicóloga da Escola falou-lhe da área social (com
Educação Social ou Serviço Social, por exemplo), como uma possibilidade para
concretizar esta sua apetência para funções que possam implicar a relação como
instrumento de trabalho.
O
percurso profissional é, ainda, fonte de sustento, como sempre foi. Mas é, cada
vez mais, fonte de (in)satisfação e (não)realização pessoal. Tenho para mim,
por isso, que quando se escolhe uma área profissional que compatibilize paixão
e apetência, se estará mais próximo do trilho do sucesso e, mais importante, do
caminho da realização e da satisfação profissional.
Tenho, por isso, a ideia de que,
em muitas circunstâncias, uma orientação vocacional cuidadosa e aprofundada é
muito mais do que um capricho. Será, tenho para mim, uma ajuda valiosa para
sustentar uma opção demasiado relevante para ser deixada ao acaso ou ao sabor
de um impulso de momento. Sê-lo-á especialmente para todos aqueles para quem,
no meio de tantas escolhas possíveis, não parece emergir, de dentro, uma
convicção segura acerca do caminho a seguir. Será, tenho para mim, uma ajuda
tão mais valiosa quanto mais puder cruzar interesses e apetências vocacionais
com características de personalidade e variáveis cognitivas. Afinal de contas,
é fácil imaginar que um arquiteto que case rigor com abstração espacial e
criatividade estará mais perto de ser um bom arquiteto. Ou que um engenheiro
que compatibilize raciocínio lógico, abstração espacial e raciocínio mecânico
estará mais próximo de se poder destacar. Ou que um professor será muito mais
facilmente um bom professor se, para além do domínio científico das matérias,
tiver interesse e apetência para gerir relações interpessoais. Ou que um
enfermeiro ou um médico, para além do domínio científico e de todo o raciocínio
analítico complexo (que permite, por exemplo, chegar a um diagnóstico certeiro)
tenderá a ser tão melhor médico ou enfermeiro quanto mais apetência tiver para
gerir relações interpessoais e estabelecer relações de ajuda.
Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade
das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos
princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como
não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, por
vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de
corresponder a uma descrição literal.
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