sexta-feira, 17 de julho de 2020

O que não nos liga não nos torna mais fortes!

A Maria foi crescendo muito metida consigo, com a ideia difusa de possuir um qualquer irreparável defeito de fabrico. Só isso explicaria que as notas ficassem sempre aquém das da irmã e das primas. Só isso explicaria que, em toda a infância e adolescência, nunca se tenha sentido verdadeiramente acolhida em nenhum grupo. Só isso explicaria que se fosse sentindo vezes demais uma espécie de corpo estranho, que ninguém conseguia decifrar.
 Conta-me, num choro sentido, a história de uma personagem de banda desenhada que a acompanhou durante toda a adolescência: a Kate era uma adolescente introvertida, sozinha e muito, muito triste. Em pequena teria sido assolada por uma espécie de maldição, em função da qual não podia olhar o mundo lá fora para lá do pôr do sol, sob pena de ter uma visão catastrófica, de cegar logo depois e de morrer, por fim. As cortinas de sua casa eram, por isso, fechadas, uma a uma, mal começava a cair a tarde.  
  
   Talvez o que a Maria quisesse dizer fosse que, ao contrário do que a maldição da Kate dava a entender, o que mata (devagarinho) serão os movimentos que nos levam a fecharmo-nos sobre nós próprios, cerrando as cortinas da curiosidade e da relação. Já o conhecimento (do mundo lá fora e, sobretudo, do mundo que pulula dentro de nós) é vida! Até pode assustar ou doer muito, num ou noutro momento, mas é vida! E relação! Ou não precisássemos todos de quem (dentro de nós e no mundo lá fora) nos acolha a angústia do desconhecido e o medo de conhecer (também o que já se pressente), para sermos mais curiosos, mais vivos, mais afoitos... e mais inteligentes!

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.

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