domingo, 27 de dezembro de 2015

Ano novo e outros desejos!

12 badaladas, 12 passas, 12 desejos!
  Pedir desejos é bom! Resgata a esperança. Ajuda a configurá-la. Mas não, não chega para conquistar o futuro. Os desejos precisam de ser polidos, acarinhados, construídos. Precisam de ser transformados em projetos viáveis.
Sim, desejar é bom! Tenho para mim que os desejos genuínos, em boa verdade, nunca são irrealizáveis! Ganhar o euromilhões, um Óscar ou um Nobel não serão bem desejos. Comprar um castelo na Escócia ou uma ilha no Pacífico não serão bem desejos. Desejos megalómanos não serão bem desejos. Servirão, quando muito, como refúgio mágico para quem, tolhido pelo medo, se recusa a sonhar o futuro. Tenho para mim que desejar para lá do impossível não será tão diferente assim (ainda que por linhas travessas) de poupar nos desejos para poupar nas desilusões. 
 O desejo (tal como o vejo) será, assim, uma espécie de ligação, pela esperança, entre o imaginário e as possibilidades que a realidade oferece. Numa espécie de dois em um, será o caminho mais efetivo para agarrar o futuro, servindo, ao mesmo tempo como vacina que ajuda a metabolizar a desilusão: uma dor condensada num falhanço (a partir do qual é possível tirar ilações e crescer com a experiência) será, tenho para mim, mais facilmente metabolizável do que a dor difusa, mas omnipresente, de quem, invariavelmente, não vai a jogo (evitando desejar ou precipitando-se numa catadupa de desejos megalómanos).

Um 2020 cheio de desejos! 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O Natal tem um lado B?

Gosto muito do Natal. Sempre gostei.
Mas ao lembrar-me de algumas histórias, em que a melancolia e o sofrimento parecem andar lado a lado com o Natal, não posso deixar de me perguntar: porque é que, para tantas pessoas, parece haver uma espécie de anti-Pai Natal que, no saco, traz tudo menos magia?
Quase todos os filmes de Natal que via em miúdo tinham, de uma forma ou de outra, uma cena que sempre me impressionou muito. Tanto que as fui condensando a todas numa única imagem: um tipo a vaguear sozinho pela cidade. De passo arrastado e olhar baço, segue sem rumo. Até que pára mesmo em frente à janela de uma casa. Lá dentro, bem entre a árvore e a lareira (não vão os presentes fugir!) os miúdos ouvem as histórias que só o avô sabe contar, enquanto os pais, os tios e os primos mais velhos britam nozes, comem doces e brindam com o melhor vinho tinto da garrafeira da família. Os olhares brilham. Todos os olhares brilham. É noite de Natal!
Mas porque é que há alguns olhares que teimam em fazer de tipo que olha de fora da janela, e ficam ainda mais baços no Natal?!
 Mas porque é que a “magia” do Natal parece acentuar o desamparo no olhar de quem, na melhor das hipóteses, tem quem lhe embrulhe, com enfado, o mesmo presente todos os anos, mas nunca, nunca, é capaz de lhe “contar histórias” ou de lhe arrancar um “brilhozinho nos olhos”?!
Mas porque é que, às vezes, o Natal parece pôr a nu uma fratura demasiado profunda entre as luzes, o presépio, o senhor de barbas brancas que carrega um saco vermelho do tamanho dos desejos das pessoas de todas as idades… e o acumular dos imensos pequenos grandes nadas de quem nunca se sente olhado nos olhos?!

Mas, se até o avarento e gélido Mr. Scrooge, do Dickens, se deixou contagiar pela magia do Natal, talvez o Pai Natal, a esperança e o menino Jesus renasçam um bocadinho de cada vez que dois olhares desembrulhados olham bem dentro um do outro. 

domingo, 13 de dezembro de 2015

E quando as notas fazem sombra à árvore de Natal?

  O Pedro ainda conseguiu esconder uma ou outra negativa dos pais durante o período. Agora, no espaço de duas semanas (e logo as duas semanas das férias de Natal!), teve de confrontar-se, de uma assentada, com o próprio insucesso (que andou, todo o período, a tentar varrer para debaixo do tapete), com o misto de desilusão e zanga bem estampado no rosto dos pais, e com a pergunta inevitável dos tios e dos avós, na noite de consoada: “então e a escola? Mereces os presentes?" Como se isso não bastasse, veio, também, o comentário da tia: “a tua prima teve dois 4 e o resto tudo 5”. Entre a fúria contida, o embaraço e o medo enorme de, na verdade, ser incapaz de fazer melhor, o Pedro não vai, provavelmente, ser capaz de muito mais do que um encolher de ombros à medida que o rubor toma conta do seu rosto. Se a avó ou uma tia (mesmo que com a melhor das intenções) insistirem, aí não se fica. Escudar-se-á, provavelmente, num tão sobranceiro quanto assustado: “quero lá saber da escola. Isso é para os marrões e para os betinhos”, que vai deixar os pais furiosos (já não bastava a forma como se sentiram quando receberam a catadupa de negativas do Pedro, mesmo ao lado da mãe do melhor aluno da turma?!)

  Se os insucessos pontuais são mais do que naturais, e até podem ajudar a construir a tolerância à frustração e a afinar a capacidade de aprender com os erros e a experiência, o insucesso repetido deverá, parece-me, merecer preocupação.
  Mas porque é que há crianças e adolescentes que, sendo capazes de utilizar os seus recursos cognitivos nas mais variadas circunstâncias (no domínio quase instantâneo das novas tecnologias, por exemplo) se desencontram da Escola, da aprendizagem e do conhecimento?

  O insucesso escolar está longe de ser um fenómeno simples, compatível com uma qualquer causalidade linear. Variáveis mais macro como o contexto socioeconómico e cultural, a parca estabilidade e estimulação familiar, as turmas enormes, a falta de tempo e de espaço para brincar livremente, o défice de recursos humanos, a falta de ligação entre algumas temáticas e a experiência de vida das crianças, por um lado, e o sentido de utilidade que conseguem conferir aos conteúdos, por outro serão, com certeza, decisivas para os números do insucesso escolar. Como se isso não bastasse, fatores da própria dinâmica relacional da criança parecem, também, em muitos dos casos, entrar na equação do insucesso escolar. 

   Se quando um adulto se sente invadido por angústias ou preocupações tende a ficar agitado e a ter dificuldades em focalizar a sua atenção e as suas energias em tarefas complexas, será razoável imaginar que as crianças funcionem de modo diferente, nas mesmas circunstâncias?
  Se quando alguns adultos se vêm confrontados com tarefas que imaginam muito exigentes (daquelas que, invariavelmente, despertam o medo do fracasso) tendem, num primeiro momento, a “inventar” prioridades de última hora, que parecem não servir para mais do que evitar o que sabem ser realmente prioritário (há alturas em que arrumar a pilha de papéis da prateleira mais alta da estante do escritório ou organizar a caixa de e-mail que está ao “Deus dará” há meses, se tornam tarefas absolutamente inadiáveis, de uma quase urgência de vida ou morte), será sensato esperar que as crianças, perante o medo do fracasso que algumas tarefas escolares lhes despertam, possam funcionar num registo diferente?  
  Se quando os adultos passam por períodos turbulentos tendem a esconder o brilhozinho dos olhos e a esbater o entusiasmo com que se entregam às mais diversas atividades, será sensato imaginar que com as crianças seja diferente?

  Parece-me que, num ou noutro caso, a cristalização de movimentos desta natureza não andará longe de concorrer, de forma muito significativa, para o insucesso escolar. A ser assim, tenho a ideia que promover o sucesso escolar passará também por ajudar as crianças a transformarem a complexidade do que sentem - do medo de falhar à dor que desperta um falhanço (mesmo que camuflada por uma atitude sobranceira e desinteressada), passando pela agressividade contida ou pelo desejo de se destacarem e serem competentes, mas principalmente de serem, nada mais nada menos, que os melhores do mundo aos olhos dos pais - em palavras, as palavras em histórias e as histórias em planos de ação, ao mesmo tempo que se lhes exige nada menos do que tudo aquilo que possam dar. 

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue -  sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.