Uma infeção
respiratória não tornou muito fáceis os primeiros meses da Maria. Primeira
filha e primeira neta, merecia as atenções preocupadas de todos. O primo que se
lhe seguiu, 9 meses mais novo, viria, anos mais tarde, a fazer furor no
infantário, que isto de começar a ler aos 4 anos não é para todos. A Maria não
lia, ainda. Brincava! Brincava muito! E crescia bem: com o olhar vivo e a
sensibilidade apurada, o imaginário a expandir e o corpo a mexer (É para isto
que deve servir o jardim de infância, não é?). Da infeção respiratória sobrava
apenas, lá ao longe, uma espécie de fantasma parental de que talvez a Maria
precisasse de mais “bengalas” do que os outros. Talvez um bocadinho por isso;
talvez um bocadinho para “compensar” a distância nas competências académicas para
o primo leitor precoce (que, com o passar dos anos, não existia de todo na
realidade dos factos, mas parecia bem viva no medo dos pais), a mãe da Maria sempre
fez por estudar com (por) ela.
Aos
14 anos, a Maria é uma adolescente viva, inteligente e afetuosa. Autónoma nas opiniões
e na gestão das amizades, continua, apesar das boas notas, a ter na mãe a
bengala para o estudo, sem a qual se vai imaginando mais ou menos incapaz. A
época de testes é vivida como uma espécie de tortura. Na semana anterior já não
consegue dormir bem. Agitada, muda, constantemente, o “centro de estudos” do
quarto para a sala, da sala para o escritório do pai, voltando ao quarto para
recomeçar o ciclo. Nenhum lugar lhe parece aconchegar o medo. Pior do que os
testes, só mesmo as apresentações de Inglês. Por mais que treine, vezes sem
conta, cada vírgula da apresentação custa-lhe horrores não ter a pronúncia
“british” que vai, de forma muito, muito exagerada, reconhecendo em cada um dos
seus colegas. Pior do que isso, só mesmo, a sensação de quase rebentar de tão
vermelha que fica, ou o quão se sente ridícula quando a voz teima em embargar.
Como se tudo isto não bastasse, as dores de barriga e os nós na garganta são,
também, um habitué destas andanças.
Mas
porque é que uma adolescente viva, inteligente e cheia de qualidades parece
desconfiar tanto das suas competências?
A
Maria começou a estudar sozinha. Muito a medo (tal como aconteceu com os seus pais, viriam a
confessar mais tarde), ou não fosse a primeira vez que enfrentavam o “fantasma”
de que o seu esforço e competências talvez não fossem suficientes para
garantir boas notas.
A Maria morria de medo de, finalmente, comprovar, por A+B, que era incapaz e de, com isso, desiludir todos aqueles de quem gostava. Os pais morriam de medo de, feitas as contas, ter gerado uma filha com bom coração, mas “sem rasgo para a aprendizagem”.
As notas baixaram, de facto, num primeiro momento. Mas, à medida que a Maria ia sentindo que quem mais importa começava a acreditar verdadeiramente em si, ao mesmo tempo que começou a discorrer sobre os medos, a encontrar espaço relacional para eles, a compreendê-los e pensá-los (vestindo-os de palavras, na sua história), foram-se esbatendo as insónias, a tensão e as dores de barriga, ao mesmo tempo que ganhavam espaço a confiança e a “adrenalina” das apresentações, o gozo da criatividade e do conhecimento. E, com eles, os resultados escolares começaram a aparecer, depressa superando as performances da “Maria da bengala”.
A Maria morria de medo de, finalmente, comprovar, por A+B, que era incapaz e de, com isso, desiludir todos aqueles de quem gostava. Os pais morriam de medo de, feitas as contas, ter gerado uma filha com bom coração, mas “sem rasgo para a aprendizagem”.
As notas baixaram, de facto, num primeiro momento. Mas, à medida que a Maria ia sentindo que quem mais importa começava a acreditar verdadeiramente em si, ao mesmo tempo que começou a discorrer sobre os medos, a encontrar espaço relacional para eles, a compreendê-los e pensá-los (vestindo-os de palavras, na sua história), foram-se esbatendo as insónias, a tensão e as dores de barriga, ao mesmo tempo que ganhavam espaço a confiança e a “adrenalina” das apresentações, o gozo da criatividade e do conhecimento. E, com eles, os resultados escolares começaram a aparecer, depressa superando as performances da “Maria da bengala”.
Talvez
seja sempre um bocadinho assim. Talvez as competências em bruto (que todos
temos!) nunca sejam suficientes por si só. À semelhança daquele célebre (e
muito, muito bonito) vídeo do Europeu de Futebol em que o Ronaldo “obriga” o
Moutinho a marcar o penálti, enfatizando que se falhar "que se lixe" (numa
linguagem um bocadinho mais carregada de “alma”), talvez precisemos – sempre
(!) – de quem (na nossa vinda interior e no mundo lá fora) acredite em nós,
ajudando-nos a sintonizar com as nossas qualidades e a tirar partido delas, ao
mesmo tempo que nos assegura que se falharmos ... “que se lixe”!
Nota: Atendendo ao profundo
respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas
histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo,
nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do
blogue - sendo, uma ou outra vez, inspirados num ou noutro aspeto de histórias
reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.
Mais do que talvez, eu acredito que é daí que decorre uma parte significativa da felicidade: ser aceite por quem importa, tal como se é! Um porto seguro! Obrigada, mais uma vez, José Sargento, pelo texto!
ResponderEliminarMuito obrigado pela simpatia do seu comentário!
ResponderEliminarMuito bom...Tanto receio uma Maria que me angustia tanto de a tentar estimular.e descomplicar..Mas a quem a insegurança..E uma apetência por ser mesmo Maria vai com as outras..Me faz não saber lidar com estes 12 anos tão diferentes da minha geração..Grata pelo execente texto..
ResponderEliminarMuito obrigado,Luisa!Seja muito bem-vinda a este espaço.
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