Poucos meses depois de terminar o Curso, abre-se-lhe, agora, a janela de
oportunidade que tanto queria agarrar: a possibilidade de um doutoramento em
Inglaterra, com um economista inovador, que muito admirava. Teria, no entanto, de
competir pela vaga com o seu melhor amigo da Faculdade! O amigo com quem
partilhava discussões sobre macroeconomia e desigualdades sociais, mas também sonhos
e inseguranças, histórias de amores e desamores. Com tanto de inteligente e
arrebatado, como de medroso, continuava a ser difícil para o Miguel competir de
igual para igual. Mais a mais com alguém de quem gosta com o coração cheio.
A
publicação dos resultados não enganava. O Miguel tinha conseguido a vaga. O seu
grande amigo não tinha ido além de um honroso 2º lugar. Feliz com a conquista,
mas receoso do impacto que poderia ter numa relação tão preciosa, apressou-se a
marcar um jantar com o amigo. Diz-me, emocionado: “Sabe, acho que não foi muito
diferente de quando escolhi o curso. Aí tinha medo de estar a “trair” o meu pai
e o meu avô. Agora tinha medo de estar a “trair” o Bernardo. Mas sabe, quando o
Bernardo chegou ao pé de mim, deu-me um grande abraço e disse-me: - meu sacana,
estou com uma inveja tua! E aquilo que podia muito bem ter sido um momento
fraturante na nossa amizade, aproximou-nos ainda mais. E eu ser-lhe-ei
eternamente grato por isso. Por isso e por me ter mostrado, num passe de
alquimia, como se pode fazer da inveja um sentimento que aproxima muito mais do
que destrói! Por isso, e por me ter mostrado, de uma forma ainda mais clara que
o meu pai ou o meu avô foram capazes de fazer, que eu tenho o direito (e o
dever!) de lutar sempre (!) por uma paixão. De forma franca e leal, mas com
unhas e dentes, à homem!”
Talvez seja sempre um bocadinho assim. Talvez o que afaste as pessoas
não seja tanto a natureza do que possam verdadeiramente sentir, mas mais a
forma como o procuram esconder (do outro e de si), branqueando-o ou
expressando-o, em bruto, de forma impulsiva e retorcida. Talvez o grande
desafio seja mesmo pensar as emoções, vesti-las de palavras e histórias,
comunicando-as com toda a clareza e afeto que formos capazes (naquilo a que
Bion chamou função α). Nesta leitura, talvez as únicas emoções “negativas” (que
afastam…) sejam as que ficam por pensar e comunicar, encontrando no agir impulsivo (violento e destrutivo, no
limite) a única forma de expressão.
*Título inspirado no título do
artigo: “Inveja e gratidão”, de Mélanie Klein (1957)
Nota: Atendendo ao
profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de
guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado
(de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os
textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de
histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.
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