O João acabara de sair de casa,
para a Faculdade. Com a sua partida, e a dos dois irmãos mais velhos, que lhe precedera, a casa parecia, agora, grande demais para a Maria e para o Pedro. O
crescimento dos filhos, os projetos profissionais e o buliço do dia-a-dia foram-lhes
ocupando a vida. Já mal se lembravam do que é ter espaços a dois. Na verdade,
nunca se sentiram no direito de deixar os filhos com os avós para tirarem para
si um fim-de-semana que fosse, como se investir na relação de casal (e na
realização pessoal) não fosse, ao mesmo tempo, investir na parentalidade. A
princípio ainda saiam para jantar fora no aniversário de casamento. Mas, com o
passar dos anos, até isso se foi perdendo. E agora, 25 anos depois do
nascimento do primeiro filho, viam-se, novamente, a sós. As noites
interrompidas pelo pesadelo do João, pela febre do Bernardo ou pela tosse do
Lucas foram sendo substituídas, à medida que cresciam, pela azáfama de acordar
três adolescentes birrentos pela manhã; pelas correrias para as atividades extracurriculares
ou pelas chamadas de atenção (mais ou menos inflamadas) com o tempo que
gastavam ao computador ou ao telemóvel. E agora, 25 anos depois, viam-se, de
novo, a sós. Com tempo para irem ao cinema ou verem filmes enroscados no sofá;
com a possibilidade de jantarem fora e até de reservarem um ou outro fim-de-semana
romântico. Mas já nem a Maria nem o Pedro sabiam bem como se fazia. Há muito
que o abraço não saía naturalmente. E, quando saía, parecia não encaixar,
deixando-os, a ambos, mais desconfortáveis do que enternecidos. Tudo se ia
passando como se, sem o buliço da gestão diária da educação dos filhos, se
sentissem, a cada dia, um bocadinho mais uns estranhos que já se conheceram bem. Com
mais espaço a sós, a verdade é que as conversas (cada vez mais raras) se
cingiam às preocupações com os filhos e à gestão da vida financeira da família.
Começaram por desencontrar ritmos de sono, com a Maria e o Pedro a ficarem, à
vez, até tarde entre a tv e o computador para, rapidamente, o desencontro se
estender até ao ponto de mal falarem e nunca dormirem juntos.
Talvez as relações (todas as relações) sejam sempre um bocadinho assim.
Morrem mais um pedaço, de cada vez que as omissões se tornam a regra que, aos
poucos, vai transformando o outro num estranho que já conhecemos bem.
Talvez as relações (todas as relações) sejam sempre um bocadinho assim. Expandem-se
vários universos (tornando-se mais sólidas e próximas) sempre que não se poupa
nas palavras e nos gestos para olhar bem dentro do outro (como, de forma muito
bonita, nos lembra o Principezinho).
Nota: Atendendo ao profundo
respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas
histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo,
nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do
blogue - sendo, uma ou outra vez, inspirados num ou noutro aspeto de histórias
reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.
Como me revejo! Obrigada por abordar pertinentemente este tema.
ResponderEliminarMuito obrigado eu, pela simpatia do seu comentário!
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