sexta-feira, 10 de abril de 2020

Sim, estamos cheios de medo!

 Durante muito tempo foram metáforas. Metáforas do medo de danificar ou destruir: o outro, a relação (e com eles) a nós próprios. E, num ápice, o vírus, a contaminação, o dano e a destruição ganham corpo. Como se fossemos todos violentamente engolidos por um filme de ficção científica.
 E, de repente, muito do que permitia matar fantasmas – estar junto a conversar, tocar, abraçar, beijar... – dá-lhes, agora, energia para se concretizarem. Todos podemos, de facto, transportar o mal. E, sem querermos, contaminar e sermos contaminados só de tocar. Numa espécie de triunfo trágico do concreto sobre a metáfora.
 Sim, estamos cheios de medo! De adoecer, de morrer, de perder pessoas rigorosamente imprescindíveis. De, sem querer, espalharmos o mal. Sim, estamos cheios de medo! Da avalanche económica, que já se anuncia no horizonte, tornar tudo muito mais trágico ainda. E estamos tristes. Pela vida suspensa, vista da janela. Por não podermos ir a casa, ao hospital ou ao lar ver, confortar, tocar, cheirar, abraçar, beijar muitos dos que mais gostamos. Pior, porque alguns de nós, dramaticamente, já perderam pessoas preciosas sem, sequer, se poderem despedir delas.
 E estamos zangados! Um vírus, vindo do nada, virou-nos a vida do avesso e deu corpo a um batalhão de fantasmas!
 E estamos lábeis. Comovemo-nos com os gestos de humanidade que, felizmente, se têm multiplicado nos hospitais, nas empresas, nas varandas e janelas, o que, a juntar a números razoavelmente bons (como se o sofrimento coubesse em contagens) no boletim da DGS, nos fazem acreditar que “vai ficar tudo bem”. Para, logo a seguir, números maus, na informação diária, ou uma notícia de um foco de infeção perto de quem nos é imprescindível, nos dinamitar toda a esperança e deixar à beira de um ataque de nervos.
  Talvez não haja muito como não se sentir medo, tristeza ou raiva. E ainda bem! Ou não fossem as emoções que (também) nos tornam humanos! A ser assim, o grande (enorme!) desafio será ficarmos isolados sem ficarmos sozinhos com o nosso medo, a nossa tristeza ou a nossa raiva. Ou não fosse a relação (pessoal, familiar, profissional e comunitária) a fórmula (pouco mágica, muito complexa, mas de eficácia humanamente comprovada!) para acolher o sofrimento e desbravar avenidas de esperança e coragem na luta dramática que travamos (como nas lutas dramaticamente dolorosas que muitas pessoas travam, independentemente da pandemia).  

PS: Não haverá muito como toda esta vertigem de emoções não se multiplicar muitas e muitas vezes, nos profissionais de saúde, nos profissionais dos lares de idosos e de todos os outros setores da linha da frente. Sim, um subsídio de risco talvez seja o mínimo que lhes devemos!

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