"Mas
como é que se pode ajudar as pessoas só com conversa?" perguntava a Joana, num
tom mais curioso do que desconfiado.
O modelo positivista de ciência foi,
durante muito tempo, tempo demais, alimentando a ideia de que corpo e mente
seriam duas entidades rigorosamente separadas ou, quando muito, com uma ligação de sentido único (em que o biológico determinava a experiência psicológica). A ser assim, claro que sintomas de
ansiedade ou agitação psicomotora, sintomas obsessivos ou de impulsividade, depressivos
ou de tonalidade mais narcísica, etc. etc. só poderiam decorrer de desequilíbrios
biológicos (as mais das vezes contidos no código genético) que, por conseguinte,
poderiam ser corrigidos, única e exclusivamente, com medicação. Chegou, mesmo, entre
alguns setores da ciência, a ter-se a esperança de que os avanços notáveis no
conhecimento do sistema nervoso seriam capazes de traduzir milimetricamente a
subjetividade humana em circuitos neuronais e fórmulas bioquímicas. A ser
assim, o anúncio do fim da Psicologia e das psicoterapias estaria,
portanto, por poucos anos.
Mas foram, curiosamente, os avanços
notáveis nas neurociências que, ao mapearem muitos dos caminhos neuronais e
bioquímicos da subjetividade humana, contribuíram decisivamente para a
clarificação (que vem sendo reclamada pela Psicologia há muitas décadas) de que
as relações humanas, especialmente as mais próximas e significativas, são
fundamentais no desenvolvimento humano e na estruturação daquilo que são os
aspetos mais saudáveis e mais doentes das pessoas. Foram, também, os avanços
admiráveis nas neurociências que permitiram clarificar que mente e corpo são
duas faces da mesma moeda, que comunicam e se constroem mútua e
permanentemente. Não que o substrato biológico ou o código genético não sejam
fundamentais. São, com toda a certeza. Mas, ao contrário da visão que parecia
decorrer de um modelo positivista de ciência (radical em muitos aspetos), se
excetuarmos os casos de doença genética (como a trissomia XXI, por exemplo), avolumam-se as evidências de que, em matéria de saúde mental, a sustentação biológica e o
código genético estão longe de ser uma espécie de fatalidade: interagem e
modificam-se com a experiência e com a relação.
Nestas circunstâncias, a angustia, a
ansiedade, a insegurança, o medo ou os sintomas depressivos, por exemplo,
decorrerão, muitas das vezes, mais de equívocos e desencontros continuados na
relação com os outros significativos e com a verdade do que se sente, ou de
experiências mais ou menos traumáticas do que propriamente de desequilíbrios bioquímicos
(que mais do que causa, serão, nesta aceção, o correlato biológico do
sofrimento). É aqui que, a meu ver, entra a utilidade de diversos modelos e
técnicas de acompanhamento psicológico. Não apenas como um espaço em que as
pessoas são genuinamente ouvidas e escutadas, como porventura poderia pensar a
Joana. Isso, diria ela (talvez com razão), não sendo pouco e muito menos fácil,
poderá, com alguma sorte, ser encontrado, também, no seio de algumas relações amorosas ou junto de
um ou outro grande amigo. Mas também (talvez o aspeto mais diferenciador),
enquanto espaço criativo em que a pessoa vive “na pele” a experiência de haver
alguém ao pé de quem é possível sentir, sem claudicar, as angústias de que vai
procurando fugir, ao mesmo tempo que se compreendem, legendam e ligam com os
aspetos essenciais da sua vida. Esta nova
relação, ao desconstruir alguns aspetos dos padrões velhos (que, em grande
medida, trouxeram a pessoa até ao ponto onde se encontra), funcionará, assim,
como uma espécie de tubo de ensaio para uma relação mais clara e genuína com tudo
aquilo que sente (pensando as emoções em vez de, continuadamente, as procurar
silenciar). E, deste modo, como um treino protegido primeiro, e como uma
prática generalizada às relações da “vida real” depois, tornando-as mais criativas,
harmoniosas, assertivas e próximas.
Brilhante José. Abraço.
ResponderEliminarMuito obrigado André. Um abraço.
ResponderEliminarMuito, muito bom!
ResponderEliminarMuito obrigado! Seja muito bem-vinda, Inês Ribeiro.
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