A D. Isaura sempre se virou entre dois
trabalhos e muita fibra. Nunca suportou a ideia de que pudessem faltar
oportunidades ao filho que, desde sempre, criara sozinha. E, valha a verdade,
para além de uma certa comodidade material (mesmo que à custa de uma ginástica
financeira de que só D. Isaura parecia ser capaz), o João foi crescendo com o
conforto de sentir que havia na mãe qualquer coisa de muito parecido com a capa
do super-homem. Talvez por isso tenha sido tão difícil para si escolher a área
das Ciências, no Secundário. A mãe, muito influenciada pela vida abastada do
advogado para quem trabalha desde os 16 anos, sempre o “empurrou” para o Direito.
Mas, no 9º ano, teve um Professor admirável que lhe mostrou como a Física o
ajudava a entender melhor os motores e as motas de que tanto gostava. E isso
terá sido determinante para subir exponencialmente a nota de Físico-Química, e
fazer da área Científica uma escolha mais ou menos natural.
A D. Isaura até já se tinha conformado com a
ideia de que o seu João iria trocar o Direito pela Engenharia Mecânica, mas
estava-lhe a custar muito vê-lo crescer. Não gostava da sua barba à hipster, e menos ainda do discurso
inflamado com que o João punha em causa alguns dos referenciais religiosos e
sociopolíticos com que o educara. Habituada que estava a que, em quase tudo, o
João fizesse da sua palavra lei, sentia-se afrontada a cada opinião marcada do
filho… que destoasse da sua. Como se sentisse que, com a adolescência, o João
tivesse despromovido a mãe de mulher admirável com toques de super-herói a
antiquada, desinformada e dispensável! Como se, de repente, ao pé da namorada e
dos amigos do João, tivesse medo de não passar agora de uma 3ª ou 4ª figura. Ela,
que sempre se virara entre dois trabalhos, para que nunca lhe faltasse nada…
Na ânsia de procurar o seu lugar no mundo, o
João exagerava (especialmente com a mãe) no tom com que vestia algumas das suas
opiniões (exageramos mais quando estamos inseguros, não é?). Mas mais do que
ter razão, talvez o que procurasse mesmo fosse a aprovação (e o orgulho!) da
mãe por estar, de forma viva e afoita, a procurar o seu caminho (profissional,
ideológico, amoroso, etc.). Mas mais do que ter razão, talvez o que procurasse mesmo
fosse a sabedoria (e o colo!) da mãe para o amparar nesta conquista (encantadora
e assustadora ao mesmo tempo) da autonomia. Mas mais do que ter razão, talvez o
que precisasse mesmo fosse de perceber que sejam quais forem as suas escolhas
(amorosas, ideológicas, profissionais, etc.), o colo da D. Isaura continuará
sempre (!) a ter um lugar só para si!
Talvez seja sempre um bocadinho assim. Se é desejável
que os pais sonhem os filhos (investindo-os das expectativas que não deixarão
de alimentar as suas competências), não é menos importante que abram espaços de
autonomia para, no lugar de potenciais conflitos de lealdades (e culpas mais ou
menos difusas por não assumirem como seus sonhos que outros sonharam por si),
surgirem escolhas e projetos autónomos.
Talvez precisemos todos (adolescentes e
adultos) de perceber que nunca(!) os pais deixam de ser fundamentais, mas que crescer
nunca(!) é decalcar o que esperam de nós!
Talvez precisemos todos (adolescentes e
adultos) de perceber que não há autonomia sem vinculação (segura), nem
vinculação (segura) sem autonomia! Afinal de contas, nunca(!) se cresce à
margem da diferença, da subjetividade e da relação!
Nota: Atendendo
ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de
guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado
(de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos
do blogue - sendo, uma ou outra vez, inspirados num ou noutro aspeto de
histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.
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