Fecha a porta do
escritório com a sensação de quem fechou um dia intenso de trabalho, para abrir
umas quantas mais correrias. É preciso apanhar o Martim no ATL, ir comprar
tecido para o vestido que a Madalena usará na peça da escola, deixar o Martim
no treino, atravessar a cidade para ir buscar a Madalena ao ballet e, na volta,
passar no supermercado. A Maria, quase sempre, se vai organizando, com eficácia
e prazer, nas correrias familiares do dia-a-dia. Mas o internamento de urgência
da sogra e a indisponibilidade do Pedro para a rotina familiar que isso
desencadeou, para além, claro, da preocupação de todos, está a tornar a semana
particularmente difícil.
Aquilo
que a Maria imaginou que seria uma visita supersónica ao supermercado para
comprar leite e fruta para os miúdos, rapidamente se transformou no palco do
melhor que o Martim sabe fazer em matéria de birras! Bem em frente ao videojogo
(que, um par de dias antes, tinha concordado preterir em favor da bicicleta
nova), começou por puxar do seu melhor olhar sedutor para tentar convencer a
mãe a levar o jogo. Gorada a primeira ronda negocial foi endurecendo a luta: choramingando
primeiro e, rebolando-se no chão, ao mesmo tempo que esperneava e gritava a
plenos pulmões, depois.
As
crianças saudáveis também fazem birras! Especialmente quando, por um ou outro
motivo, estão mais inseguras ou, circunstancialmente, sentem os pais mais
fragilizados ou indisponíveis. E – tenho para mim – não há mal nenhum nisso…desde
que, naturalmente, os pais não deixem de exercer a autoridade que a educação
também implica. De cada vez que os Martins ou as Franciscas conseguem,
invariavelmente, fazer das birras uma estratégia negocial de sucesso
garantido, até podem, num primeiro momento, sentir-se vaidosos – por conseguirem
o chocolate ou o videojogo pelo qual lutaram – mas, tenho para mim, não
deixarão de se sentir um bocadinho inseguros e inquietos. Afinal de contas, não
é difícil imaginar que poderão, porventura, sentir, também o lado B da birra,
numa lógica de: “se os meus pais, que são os meus pais, não têm a firmeza e a
segurança necessária para me pararem nos meus caprichos e exageros, quem é que
vai ter a força necessária para me segurar quando me sentir a cair?” Tudo
parece passar-se como se, ao apelo ruidoso pelo brinquedo, pelo chocolate ou
pelo videojogo, correspondesse um outro, mais profundo, por constância,
firmeza, afeto e segurança. A ser assim, o sentimento de que os pais (independentemente
da exuberância das birras) farão cumprir um conjunto de regras base, claras e
coerentes, não deixará de contribuir, de forma muito significativa, para que se
cresça melhor.
A ser assim, talvez cresçamos melhor sempre
que temos quem nos ajude a construir a tolerância à frustração. A ser assim,
talvez cresçamos melhor sempre que temos quem nos assegure – muito mais por atos
do que por palavras – ter a segurança necessária para, com afeto e firmeza, nos
pôr no sítio sempre que exageramos nos caprichos.
Nota: Atendendo
ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de
guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado
(de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os
textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de
histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.
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