Por mais que sejam já mais as noites em que o Bernardo acaba por
adormecer, entre processos, no sofá do escritório; por mais que há muito não
consigam falar se não sobre funcionalidades do quotidiano, a cada apelo – mais exuberante
ou mais sereno – da Maria, o Bernardo responde com: “hoje não é bom dia para
falarmos”. Não é muito diferente quando a Maria o irrita ou magoa: barrica-se
no escritório a trabalhar. Afinal de contas, não gosta de conflitos nem de
discussões.
Ao escutar o Bernardo não pude deixar de me lembrar dos estudos
clássicos do Spitz e do Bowlby, a propósito da vinculação. Grosso modo, ambos
parecem convergir na ideia de que quando o bebé é separado da mãe tende, num
primeiro momento, a reclamar efusivamente (chora, grita, esperneia) na
expectativa de ter de volta o seu objeto de amor. Se as suas expectativas
relacionais continuarem a ser violentamente goradas ao longo do tempo, o bebé
vai desistindo progressivamente até, no limite, se fechar sobre si
próprio.
Talvez seja sempre um bocadinho assim vida fora. Sempre que engolimos o
que nos magoa (mas também o que nos entusiasma ou arrebata!), talvez estejamos
a desistir um bocadinho mais da relação. Afinal de contas, tudo parece
passar-se, nestas circunstâncias, como se esperássemos que o outro não pudesse acolher e entender aquilo
que sentimos! Já quando fazemos por ser claros nas reclamações, nas birras e
nos apelos estaremos a puxar o outro bem para o pé de nós, reivindicando, a uma só voz, não só a sua capacidade para reparar a dor que nos provocou, como a
sua firmeza na hora de nos parar os exageros. A ser assim, talvez as relações
definhem muito mais à conta da inércia e indiferença (hostil), do que à boleia
de conflitos abertos e discussões francas!
Nota: Atendendo ao profundo
respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas
histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo,
nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do
blogue - sendo, uma ou outra vez, inspirados num ou noutro aspeto de histórias
reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.
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