segunda-feira, 21 de maio de 2018

Apelo e indiferença!

  A cada nova discussão, o Bernardo corre para o escritório lá de casa, alegando que a Maria está muito exaltada para poderem conversar. É assim quando a Maria dá um murro na mesa e puxa pelo melhor dos seus agudos. É assim a cada apelo sereno da Maria para conversarem de forma franca e aberta sobre tudo o que os aproxima e os tem separado… devagarinho!
   Por mais que sejam já mais as noites em que o Bernardo acaba por adormecer, entre processos, no sofá do escritório; por mais que há muito não consigam falar se não sobre funcionalidades do quotidiano, a cada apelo – mais exuberante ou mais sereno – da Maria, o Bernardo responde com: “hoje não é bom dia para falarmos”. Não é muito diferente quando a Maria o irrita ou magoa: barrica-se no escritório a trabalhar. Afinal de contas, não gosta de conflitos nem de discussões.

  Ao escutar o Bernardo não pude deixar de me lembrar dos estudos clássicos do Spitz e do Bowlby, a propósito da vinculação. Grosso modo, ambos parecem convergir na ideia de que quando o bebé é separado da mãe tende, num primeiro momento, a reclamar efusivamente (chora, grita, esperneia) na expectativa de ter de volta o seu objeto de amor. Se as suas expectativas relacionais continuarem a ser violentamente goradas ao longo do tempo, o bebé vai desistindo progressivamente até, no limite, se fechar sobre si próprio.
  Talvez seja sempre um bocadinho assim vida fora. Sempre que engolimos o que nos magoa (mas também o que nos entusiasma ou arrebata!), talvez estejamos a desistir um bocadinho mais da relação. Afinal de contas, tudo parece passar-se, nestas circunstâncias, como se esperássemos que o outro não pudesse acolher e entender aquilo que sentimos! Já quando fazemos por ser claros nas reclamações, nas birras e nos apelos estaremos a puxar o outro bem para o pé de nós, reivindicando, a uma só voz, não só a sua capacidade para reparar a dor que nos provocou, como a sua firmeza na hora de nos parar os exageros. A ser assim, talvez as relações definhem muito mais à conta da inércia e indiferença (hostil), do que à boleia de conflitos abertos e discussões francas!

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, uma ou outra vez, inspirados num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.

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