segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O desejo não vai lá com espinafres!

   Os avanços na psicofarmacologia têm sido uma bênção para a humanidade. Já a ideia de que tudo (a falta de desejo, a insegurança, a ansiedade, a tristeza, etc.) se resolve com um comprimido mágico parece-me muito pouco razoável.
   A ideia de uma espécie de pílula do desejo feminino, mais ou menos milagrosa, que pode resolver todas as dificuldades da vida sexual de um casal assenta, parece-me, na conceção de que homens e mulheres serão assim uma espécie de autómatos que têm de reagir a estímulos de forma mais ou menos indiscriminada.              
   Parece-me que esta ideia de que basta um comprimido que mexa na bioquímica da sexualidade para, a seguir, tudo se resolver na vida sexual e amorosa de um casal é pouco razoável. E muito ao jeito do pensamento mágico do Popeye e dos seus espinafres com superpoderes. Por mais que um comprimido possa ajudar numa ou noutra circunstância muito específica, talvez o essencial do desejo não possa mesmo passar à margem de um olhar mais relacional. Antes de nos focarmos na bioquímica, talvez valha a pena perceber:
se aquele homem e aquela mulher continuam a erotizar a relação ou se se deixaram resvalar, por atos e omissões, para uma espécie de cumplicidade fraternal;
se aquele homem e aquela mulher investem e convivem bem com o próprio corpo;
se aquele homem e aquela mulher ainda se arrepiam com o toque do outro ou sentem-no, pelo contrário, como uma espécie de invasão consentida;
se aquele homem e aquela mulher estão atentos ao outro ou, pelo contrário, há muito que se viraram para dentro, a braços com sofrimentos e fantasmas que não encontram espaço de partilha (e de reparação).
   Talvez por isso, não faça muito sentido – parece-me – olhar para as dificuldades da vida sexual como a principal fonte dos desencontros de um casal. Talvez seja um bocadinho ao contrário: talvez a vida sexual não seja, muitas das vezes, mais do que o reflexo da qualidade da relação. A ser assim, mais do que com comprimidos, talvez as dificuldades sexuais daquele homem e daquela mulher, se desvaneçam quando (re)começarem a olhar dentro dos olhos um do outro.

(Inspiração: http://expresso.sapo.pt/sociedade/2015-08-22-Viagra-feminino.-Mulheres-e-homens-tem-cerebros-diferentes-amor-e-mimo-contam-muito )


Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal. 

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