quinta-feira, 30 de julho de 2015

E quando se suspira... pelo fim das férias?

  Por esta altura, muitos são os que vão suspirando pelas férias, enquanto vagueiam pelas fotos de praias de areias finas e águas cristalinas que os seus amigos parecem pôr de propósito no facebook só para, nestes últimos dias antes do merecido dolce fare niente, fazer o relógio andar ainda mais devagar
 Com o Xavier parece ser um bocadinho diferente. Casado e pai de duas filhas, decidiu procurar ajuda porque não gosta das férias: “tirar férias é um tormento. Comigo está tudo bem. Se não fossem as férias, estava tudo ótimo”. Pergunto-lhe se me pode explicar um bocadinho melhor, o que faz, tentando disfarçar a agitação: “ todos os anos vamos de férias para o Algarve. Quinze dias. A minha mulher e as miúdas querem ir para a praia, passear na marina à noite, fazer churrascos, essas coisas… Eu não aguento! No ano passado, tive de ir comprar uma pen para ter net móvel. Tinha de trabalhar! As coisas ficavam atrasadas. Quinze dias sem fazer nada é muito tempo. E elas depois andam sempre de má cara porque quero ficar em casa a trabalhar. Não entendem”.
   O Xavier é um profissional de sucesso. Trabalhador incansável, tem uma vida financeira estável, que lhe permite manter uma boa casa, um carro familiar de alta cilindrada e um outro utilitário, uma casa de férias no Algarve, colégios caros e atividades extra-curriculares para as filhas, etc.
  Mas não só as férias que o inquietam. Os sábados passa-os a trabalhar. Aos domingos, depois do jogo de vólei das filhas (passado, claro, a responder a e-mails de trabalho no i-phone) e do almoço na casa dos pais ou dos sogros, esquiva-se para o escritório lá de casa, adiando, uma vez mais, o passeio de mão dada com a mulher, ao entardecer.
  À noite, por muito cansado que esteja, tem quase sempre grandes dificuldades em adormecer. Ao ar amuado da mulher por (quase) nunca o sentir ali, realmente perto dela, juntam-se as 1001 preocupações de trabalho. Estão sempre presentes, mas teimam em agudizar-se quando apaga a luz.
  Talvez o que o Xavier queira dizer, com o seu apelo, seja qualquer coisa como: transporto tanta angústia dentro de mim, que temo que a única forma de a ir fintando seja esta espécie de hiperatividade funcional (no sentido que Sami-Ali lhe dá). Parar (seja para estar na praia ou numa esplanada a gozar a brisa do entardecer) é ser, brutalmente, invadido por ela. Talvez o que o Xavier queira dizer, com o seu apelo, seja que este registo agitado e híper-funcional em que tem estado mergulhado, ao mesmo tempo que vai (cada vez menos) fintando a angústia, o vai afastando, cada vez mais, de quem (a mulher, as filhas, os pais, os amigos…) o pode ajudar a transformar a angústia em palavras, as palavras em histórias e as histórias em vida. Se o Xavier conseguisse ser mais claro, talvez tivesse dito: ajude-me a entender e a transformar toda esta angústia, para parar de, à boleia do trabalho, fugir dela e, com isso, afastar quem (a mulher, as filhas, os pais, os amigos, etc.) me pode ajudar a desfrutar do trabalho, da esplanada, do pôr-do-sol… da vida.

  Num mundo muito centrado na ideia de sucesso, corremos o risco desta espécie de hiperatividade funcional ser valorizada. Num primeiro momento até pode representar, de facto, ganhos de produtividade e um salto considerável no percurso profissional. Mas, à semelhança do que alguns dizem acerca da dívida de alguns países do sul da Europa, é insustentável a prazo. Correr por gosto não cansa. Já correr por medo (o medo de que à falta de um registo híper-funcional que a sustenha, a angústia tome conta de tudo), tenho para mim, dá maus resultados, a prazo. Talvez por isso o ócio (dos passeios de mão dada na brisa da tarde, às jantaradas de amigos, passando pelas reuniões familiares ou pelo dolce fare niente) seja fundamental para nos apaixonarmos pelo trabalho e, muito mais importante do que isso, pela vida! 


Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais, está muito longe de corresponder a uma descrição literal. 

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